quarta-feira, janeiro 13, 2010

Tchekhov - Contos - Ventoinha


Este conto, pg. 224, é o mais extenso, próximo de uma novela e foi utilizado como roteiro para um filme. Traça a vida de três personagens tendo como eixo as reflexões e a vida de Olga, casada com um médico padrão e tendo um artista por amante.
Novamente vemos o autor fazendo uma defesa da profissão, agora em oposição aos artistas e não aos proprietários rurais como em Inimigos. Várias profissões quase que desapareceram nos últimos cem anos ( como os sapateiros , a profissão mais citada por Tchekhov ), outras modificaram tanto que não conseguimos conceber como seria a profissão médica antes da penicilina e dos analgésicos. Pedro Nava em Baú de Ossos relata os horrores da prática médica com as injeções de mercúrio e sangrias inúteis. Uma coisa permanece, um médico é sempre um estudioso e poucos , Pedro Nava e Tchekov são honrosas excessões, conseguem tempo para se dedicar às artes, em particular à música ou pintura. Dimov, o médico e marido se justifica:
-Eu não compreendo as artes. Passei a vida ocupando-me de Ciências e Medicina, e não tive tempo de me interessar pelas artes"

E a vulgar esposa o repreende com o argumento:
- Você não censura seus amigos por desconhecerem a Medicina. Eu não compreendo as artes, porém inteligentes artistas as produziram e uma platéia paga para admirá-las, logo são necessárias".
Do mesmo modo que podemos escutar jazz apreciando um único instrumento de cada vez, este conto pode ser lido concentrando-se somente neste médico dedicado, que contrai uma doença enquanto faz uma pesquisa, incompreendido e traído por uma mulher vulgar.
Porém mais interessante é a figura do amante, Riabóvski, professor de pintura de Olga, um tipo de homem tão abundante que chegamos a imaginar que seu oposto, o dedicado médico e cientista é uma raridade entre os homens.
Um professor com pretensão a artista, cuja exposição nunca acontece. Depois de um passeio de barco pelo Volga em uma noite de verão, lança aos pés de Olga com juras de amor eterno, sincero e profundo. Conquista-a com as promessas usuais dos lobos vestidos de grossos casacos de lã macia.
Tchekhov anota o tempo exato de três meses, entre Julho e Setembro, da transformação daquele ardoroso conquistador no grande Ego ( latra, ista, centrico - O Egon de Pedro Nava). Um dominador, que usa como laço a paixão da própria presa.
Tchekhov descreve várias traições femininas, a Dama do Cachorrinho é exemplar, porém não lemos esta traição como uma libertação da mulher sofredora, nem como a ironia que um marido traído pode despertar no leitor vulgar, comum aos autores da época - Machado e Flaubert. São as circunstâncias e as opções de uma vida insonsa que as levam à traição. Conseguem alguns momentos felizes porém o final é desastroso. Olga sente-se culpada por abandonar aquele bom marido por um canalha como o professor de pintura, porém o remorso não elimina a vontade de repetir a noite de amor com o amante. Só se convence de que ele não a quer quando assiste um flagrante dele com uma nova amante.
Olga desconfia das juras de eterno amor, porém imagina que o amante pode vir a ser conquistado através da sua dedicação. A paixão cega o juízo e atiça a imaginação. Não é aquele adulador vulgar que ela enxerga, antes vislumbra uma vida sempre maravilhosa como aquela noite no barco. O fracasso do relacionamento não está no defeitos objeto da paixão, porém por achar que não ama o suficiente para reconquistá-lo. Esquece que a este tipo de homem interessa-lhe o prazer do domínio, as doces palavras de amor agora têm outro destino, uma nova amante bate à porta e se esconde por trás de um quadro, uma "nature mort".
Duvido que alguma mulher vivida não tenha conhecido tipos como este, às ingênuas pediria um pouco de calma, eles logo aparecerão.
O leitor atento, destes de contos policiais, percebe de pronto que Olga ficará sózinha, sem amante e viúva, como uma cigarra que o quanto mais alto canta e voa com mais força sucumbe. O arrependimento vem com uma promessa inútil ao perceber que estava viúva.

"Queria explicar-lhe que aquilo fôra um engano, que nem tudo estava perdido, que a vida poderia ainda ser bela e feliz com você, você era um homem raro, extraordinário, grande, e que durante toda a vida, irei venerá-lo, rezar e sentir um medo sagrado...."


O título : "a ventoinha" - o tradutor comenta que foi difícil o autor dar um título para este conto. Não sei como é em russo, porém prefiro o da tradução inglêsa, que usa um título em francê La Cigale. . Parece me mais adequado para a descrição desta mulher que após um amor de verão sofre um longo e solitário inverno.




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