
Este conto, pg. 224, é o mais extenso, próximo de uma novela e foi utilizado como roteiro para um filme. Traça a vida de três personagens tendo como eixo as reflexões e a vida de Olga, casada com um médico padrão e tendo um artista por amante.
Novamente vemos o autor fazendo uma defesa da profissão, agora em oposição aos artistas e não aos proprietários rurais como em Inimigos. Várias profissões quase que desapareceram nos últimos cem anos ( como os sapateiros , a profissão mais citada por Tchekhov ), outras modificaram tanto que não conseguimos conceber como seria a profissão médica antes da penicilina e dos analgésicos. Pedro Nava em Baú de Ossos relata os horrores da prática médica com as injeções de mercúrio e sangrias inúteis. Uma coisa permanece, um médico é sempre um estudioso e poucos , Pedro Nava e Tchekov são honrosas excessões, conseguem tempo para se dedicar às artes, em particular à música ou pintura. Dimov, o médico e marido se justifica:
-Eu não compreendo as artes. Passei a vida ocupando-me de Ciências e Medicina, e não tive tempo de me interessar pelas artes"
E a vulgar esposa o repreende com o argumento:
- Você não censura seus amigos por desconhecerem a Medicina. Eu não compreendo as artes, porém inteligentes artistas as produziram e uma platéia paga para admirá-las, logo são necessárias".
Do mesmo modo que podemos escutar jazz apreciando um único instrumento de cada vez, este conto pode ser lido concentrando-se somente neste médico dedicado, que contrai uma doença enquanto faz uma pesquisa, incompreendido e traído por uma mulher vulgar.
Porém mais interessante é a figura do amante, Riabóvski, professor de pintura de Olga, um tipo de homem tão abundante que chegamos a imaginar que seu oposto, o dedicado médico e cientista é uma raridade entre os homens.
Um professor com pretensão a artista, cuja exposição nunca acontece.
Depois de um passeio de barco pelo Volga em uma noite de verão, lança aos pés de Olga com juras de amor eterno, sincero e profundo. Conquista-a com as promessas usuais dos lobos vestidos de grossos casacos de lã macia.
Depois de um passeio de barco pelo Volga em uma noite de verão, lança aos pés de Olga com juras de amor eterno, sincero e profundo. Conquista-a com as promessas usuais dos lobos vestidos de grossos casacos de lã macia. Tchekhov anota o tempo exato de três meses, entre Julho e Setembro, da transformação daquele ardoroso conquistador no grande Ego ( latra, ista, centrico - O Egon de Pedro Nava). Um dominador, que usa como laço a paixão da própria presa.
Tchekhov descreve várias traições femininas, a Dama do Cachorrinho é exemplar, porém não lemos esta traição como uma libertação da mulher sofredora, nem como a ironia que um marido traído pode despertar no leitor vulgar, comum aos autores da época - Machado e Flaubert. São as circunstâncias e as opções de uma vida insonsa que as levam à traição. Conseguem alguns momentos felizes porém o final é desastroso. Olga sente-se culpada por abandonar aquele bom marido por um canalha como o professor de pintura, porém o remorso não elimina a vontade de repetir a noite de amor com o amante. Só se convence de que ele não a quer quando assiste um flagrante dele com uma nova amante.
Olga desconfia das juras de eterno amor, porém imagina que o amante pode vir a ser conquistado através da sua dedicação. A paixão cega o juízo e atiça a imaginação. Não é aquele adulador vulgar que ela enxerga, antes vislumbra uma vida sempre maravilhosa como aquela noite no barco. O fracasso do relacionamento não está no defeitos objeto da paixão, porém por achar que não ama o suficiente para reconquistá-lo. Esquece que a este tipo de homem interessa-lhe o prazer do domínio, as doces palavras de amor agora têm outro destino, uma nova amante bate à porta e se esconde por trás de um quadro, uma "nature mort".
Duvido que alguma mulher vivida não tenha conhecido tipos como este, às ingênuas pediria um pouco de calma, eles logo aparecerão.
O leitor atento, destes de contos policiais, percebe de pronto que Olga ficará sózinha, sem amante e viúva, como uma cigarra que o quanto mais alto canta e voa com mais força sucumbe. O arrependimento vem com uma promessa inútil ao perceber que estava viúva.
"Queria explicar-lhe que aquilo fôra um engano, que nem tudo estava perdido, que a vida poderia ainda ser bela e feliz com você, você era um homem raro, extraordinário, grande, e que durante toda a vida, irei venerá-lo, rezar e sentir um medo sagrado...."
O título : "a ventoinha" - o tradutor comenta que foi difícil o autor dar um título para este conto. Não sei como é em russo, porém prefiro o da tradução inglêsa, que usa um título em francê La Cigale. . Parece me mais adequado para a descrição desta mulher que após um amor de verão sofre um longo e solitário inverno.
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