segunda-feira, agosto 30, 2004

Compagnon - Introdução II

TEORIA E SENSO COMUM




Um balanço, um mapa, da teoria literária seria, entretanto, concebível? E de que forma? Não seria esse um projeto abortado se, como afirma Paul de Man, "o principal interesse teórico
da teoria literária consiste na impossibilidade de sua definição"?4
A teoria não poderia, então, ser apreendida senão graças a uma teoria negativa, segundo o modelo desse Deus escondido do qual somente uma teologia negativa pode falar. Isso significa situar o horizonte alto demais, ou longe demais as afinidades, aliás reais, entre a teoria literária
e o niilismo. A teoria não pode se reduzir a uma técnica nem 15








a uma pedagogia - ela vende sua alma nos vade-mécum de capas coloridas expostos nas vitrinas das livrarias do Quartier Latin -, mas isso não é motivo para fazer dela uma metafísica nem uma mística.
Não a tratemos como uma religião. A teoria literária não teria senão um "interesse teórico"? Não, se estou certo ao sugerir que ela é também, talvez essencialmente, crítica, opositiva ou polêmica.

Porque não é do lado teórico ou teológico, nem do lado prático ou pedagógico, que a teoria me parece principalmente interessante e autêntica, mas pelo combate feroz e vivificante que empreende contra as idéias preconcebidas dos estudos literários, e pela resistência igualmente determinada que as idéias preconcebidas lhe opõem. Esperaríamos, talvez, de um balanço da teoria literária, que depois de ter oferecido sua própria definição de literatura, como definição contestável - trata-se, na verdade, do primeiro lugar-comum teórico: "O que é a literatura?"
-, depois de ter prestado uma rápida homenagem às teorias literárias antigas, medievais e clássicas, desde Aristóteles até Batteux, sem esquecer uma passagem pelas poéticas não-ocidentais, arrolasse as diferentes escolas que compartilharam a atenção teórica
no século XX: formalismo russo, estruturalismo de Praga, New Criticism
americano, fenomenologia alemã, psicologia genebresa, marxismo internacional,
estruturalismo e pós-estruturalismo franceses, hermenêutica, psicanálise,
neomarxismo, feminismo etc. Inúmeros manuais são assim: ocupam os professores e tranquilizam os estudantes. Mas esclarecem um lado muito acessório da teoria. Ou até mesmo a deformam, pervertem-na; porque o que a caracteriza, na verdade, é justamente o contrário do ecletismo, é seu engajamento, sua vis polemica, assim como os impasses a que esta
última a leva sem que ela se dê conta. Os teóricos dão a impressão, muitas vezes, de fazer críticas muito sensatas contra as posições de seus adversários, mas visto que estes, confortados
por sua boa consciência de sempre, não renunciam e continuam a matraquear, os teóricos se põem também eles a falar alto, defendem suas próprias teses, ou antíteses, até o absurdo,
e, assim, anulam-se a si mesmos diante de seus rivais encantados de se verem justificados pela extravagância da posição adversária.
Basta deixar falar um teórico e contentar-se em interrompê-lo de vez em quando 16






com um "Ah! um pouco debochado, para vê-lo desmoronar diante de nossos olhos!
Quando entrei no sexto ano do pequeno liceu Condorcet, nosso velho professor de latim-francês, que era também prefeito de sua cidadezinha na Bretanha, perguntava-nos a cada texto de nossa antologia: "Como vocês compreendem essa passagem? O que o autor quis dizer? Onde está a beleza do verso ou da prosa? Em que a visão do autor é original? Que lição podemos tirar daí?" Acreditamos, durante um tempo, que a teoria literária tivesse banido para sempre essas questões lancinantes. Mas as respostas passam e as perguntas permanecem. Estas são mais ou menos as mesmas. Há algumas que não cessam de se repetir de geração em geração. Colocavam-se antes da teoria, já se colocavam antes da história literária, e se colocam
ainda depois da teoria, de maneira quase idêntica. A tal ponto que nos perguntamos se existe uma história da crítica literária, como existe uma história da filosofia ou da lingüística, pontuada de criações de conceitos, como o cogito ou o complemento. Na crítica, os paradigmas não morrem nunca, juntam-se uns aos outros, coexistem mais ou menos pacificamente e jogam indefinidamente com as mesmas noções - noções que pertencem à linguagem popular. Esse é um dos motivos, talvez o principal motivo, da sensação de repetição que se experimenta, inevitavelmente, diante de um quadro histórico da crítica literária: nada de novo sob o sol. Em teoria, passa-se o tempo tentando apagar termos de uso corrente: literatura, autor, intenção, sentido, interpretação, representação, conteúdo, fundo, valor, originalidade, história, influência, período, estilo etc. É o que se fez também, durante muito tempo, em lógica: recortava-se na linguagem cotidiana uma região lingüística dotada de verdade. Mas a lógica formalizou-se depois. A teoria literária não conseguiu desembaraçar-se da linguagem corrente sobre a literatura,
a dos ledores e a dos amadores. Assim, quando a teoria se afasta, as velhas noções ressurgem intocadas. É por serem "naturais" ou "sensatas" que nunca escapamos delas realmente? Ou, como pensa de Man, é porque só desejamos resistir à teoria, porque a teoria faz mal, contraria nossas ilusões sobre a língua e a subjetividade? Poderíamos dizer, hoje, que quase ninguém foi tocado pela teoria, o que talvez seja mais confortável. 17








Então, não restaria mais nada, ou apenas a pequena pedagogia que descrevi? Não inteiramente. Na fase áurea, por volta de 1970, a teoria era um contradiscurso que punha em questão as premissas da crítica tradicional. Objetividade, gosto e clareza, Barthes assim resumia, em Critique et Vérité [Crítica e Verdade], em 1966, ano mágico, os dogmas do "suposto crítico" universitário, o qual ele queria substituir por uma "ciência da literatura". Há teoria quando as premissas do discurso corrente sobre a literatura não são mais aceitas como evidentes, quando são questionadas, expostas como construções históricas, como convenções. Em seu começo, também a história literária se fundava numa teoria, em nome da qual eliminou do ensino literário a velha retórica, mas essa teoria perdeu-se ou edulcorou-se à medida que a história literária foi se identificando com a instituição escolar e universitária.
O apelo à teoria é, por definição, opositivo, até mesmo subversivo e insurrecto, mas a fatalidade da teoria é a de ser transformada em método pela instituição acadêmica, de ser recuperada, como dizíamos. Vinte anos depois, o que surpreende, talvez mais que o conflito violento entre a história e a teoria literária, é a semelhança das perguntas levantadas por uma e por outra nos seus primórdios entusiastas, sobretudo esta, sempre a mesma: "O que é a literatura?"

Permanência das perguntas, contradição e fragilidade das respostas: daí resulta que é sempre pertinente partir das noções populares que a teoria quis anular, as mesmas que voltaram quando a teoria se enfraqueceu, a fim de não só rever as respostas opositivas que ela propôs, mas também tentar compreender por que essas respostas não resolveram de uma vez por todas as velhas perguntas. Talvez porque a teoria, à custa de sua luta contra a Hidra de Lema, tenha levado seus argumentos longe demais e eles tenham se voltado contra ela? A cada ano, diante
de novos estudantes, é preciso recomeçar com as mesmas figuras de bom senso e clichês irreprimíveis, com o mesmo pequeno número de enigmas ou de lugares-comuns que balizam o discurso corrente sobre a literatura.
Examinarei alguns, os mais resistentes, porque é em tomo deles que se pode construir uma apresentação simpática da teoria literária com todo o vigor de sua justa cólera, da mesma maneira que ela os combateu - em vão. 18










TEORIA E PRÁTICA DA LITERATURA

Algumas distinções preliminares são indispensáveis.
Primeiramente, quem diz teoria - e sem que seja preciso ser marxista - pressupõe uma prática, ou uma práxis, diante da qual a teoria se coloca, ou da qual ela elabora uma teoria. Nas ruas de Gênova, algumas salas trazem este letreiro: "Sala de teoria." Não se faz aí teoria
da literatura, mas ensina-se o código de trânsito: a teoria é, pois, o código oposto à direção de veículos, é o código da direção. Qual é portanto a direção, ou a prática, que a teoria da literatura codifica, isto é, organiza mais do que regulamenta? Não é, parece, a própria literatura (ou a atividade literária) - a teoria da literatura não ensina a escrever romances como a retórica outrora ensinava a falar em público e instruía na eloqüência, mas são os estudos literários, isto é, a história literária e a crítica literária, ou ainda a pesquisa literária.

No sentido de código, didática, ou melhor, deontologia da própria pesquisa literária, a teoria da literatura pode parecer uma disciplina nova, em todo caso ulterior ao nascimento da pesquisa literária no século XIX, quando da reforma das universidades européias, e posteriormente das americanas, segundo o modelo germânico. Mas se a palavra é relativamente nova, a coisa, em si mesma, é relativamente antiga.

Pode-se dizer que Platào e Aristóteles faziam teoria da literatura quando classificavam os gêneros literários na República e na Poética, e o modelo de teoria da literatura ainda é, hoje,
para nós, a Poética de Aristóteles. Platão e Aristóteles faziam teoria porque se interessavam pelas categorias gerais, ou mesmo universais, pelas constantes literárias contidas nas obras particulares, como por exemplo, os gêneros, as formas, os modos, as figuras. Se eles se ocupavam de obras individuais (a llíada, o Édipo Rei), era como ilustrações de categorias gerais. Fazer teoria da literatura era interessar-se pela literatura em geral, de um ponto de vista que almejava o universal.

Mas Platão e Aristóteles não faziam teoria da literatura, pois a prática que queriam codificar não era o estudo literário, ou a pesquisa literária, mas a literatura em si mesma. Procuravam formular gramáticas prescritivas da literatura, tão normativas que Platão queria excluir os poetas da Cidade [1]. Atualmente, embora 19










trate da retórica e da poética, e revalorize sua tradição antiga e clássica, a teoria da literatura não é, em princípio, normativa.
Descritiva, a teoria da literatura é, pois, moderna: supõe a existência de estudos literários, instaurados no século XIX, a partir do romantismo. Tem uma relação com a filosofia da literatura como ramo da estética que reflete sobre a natureza e a função da arte a definição de belo e de valor. Mas a teoria da literatura não é filosofia da literatura, não é especulativa
nem abstrata, mas analítica ou tópica: seu objeto são o/os discursos sobre a literatura, a crítica e a história literárias, que ela questiona, problematiza, e cujas práticas organiza. A teoria da literatura não é a polícia das letras, mas de certa forma sua epistemologia.

Nem nesse sentido é verdadeiramente nova. Lanson, o fundador da história literária francesa, na virada do século XIX para o XX, já dizia de Ernest Renan e de Émile Faguet, os críticos literários que o precederam - embora Faguet fosse seu contemporâneo na Sorbonne, Lanson o julgava ultrapassado -, que não tinham "teoria literária".5
Era uma maneira polida de lhes dizer que, a seus olhos, eram impressionistas e impostores, não sabiam o que faziam, faltava-lhes rigor, espírito científico, método. Quanto a Lanson, este pretendia ter uma teoria, o que mostra que história literária e teoria não são incompatíveis.

O apelo à teoria responde necessariamente a uma intenção polêmica, ou opositiva (crítica, no sentido etimológico do termo): a teoria contradiz, põe em dúvida a prática de outros. É útil acrescentar aqui um terceiro termo à teoria e à prática, conforme o uso marxista, mas não apenas marxista, dessas noções: o termo ideologia. Entre a prática e a teoria, estaria instalada a ideologia. Uma teoria diria a verdade de uma prática, enunciaria suas condições de possibilidade, enquanto a ideologia não faria senão legitimar essa prática com uma mentira, dissimularia suas condições de possibilidade. Segundo Lanson, aliás bem recebido pelos marxistas, seus rivais não tinham teoria, senão ideologias, isto é, idéias preconcebidas.

Assim, a teoria reage às práticas que julga ateóricas ou antiteóricas. Agindo assim, ela as institui como bodes expiatórios. Lanson, que pensava possuir, com a filologia e o positivismo histórico, uma teoria sólida, entregava-se ao humanismo tradicional de seus adversários (homens de cultura ou de bom 20








gosto, burgueses). A teoria se opõe ao senso comum. Mais recentemente, depois de uma volta da espiral, a teoria da literatura levantou-se ao mesmo tempo contra o positivismo na história literária (representado por Lanson) e contra a simpatia na crítica literária ( que havia sido representada por Faguet), assim como se levantou contra a associação freqüente dos dois (primeiro o positivismo na história do texto, depois o humanismo na interpretação), como ocorre nos austeros filólogos que, depois de um estudo minucioso das fontes do romance de
Prévost, passam sem problemas a julgamentos íntimos sobre a realidade psicológica e sobre a verdade humana de Manon, como se ela estivesse a nosso lado, uma jovem de carne e osso.

Resumamos: a teoria contrasta com a prática dos estudos literários, isto é, a crítica e a história literárias, e analisa essa prática, ou melhor, essas práticas, descreve-as, torna explícitos seus pressupostos, enfim critica-os (criticar é separar, discriminar).
A teoria seria, pois, numa primeira abordagem, a crítica da crítica, ou a metacrítica (colocam-se em oposição uma linguagem e a metalinguagem que fala dessa linguagem; uma linguagem e a gramática que descreve seu funcionamento). Trata-se de uma consciência crítica
(uma crítica da ideologia literária), uma reflexão literária (uma dobra crítica, uma self-consciousness, ou uma auto-referencialidade), traços esses que se referem, na realidade, à modernidade, desde Baudelaire e, sobretudo, desde Mallarmé.

Apresentemos logo o exemplo: empreguei uma série de termos que convém definir em si mesmos, ou elaborar melhor, para tirar deles conceitos mais consistentes, para alcançar essa consciência crítica que acompanha a teoria: literatura, depois crítica literária e história literária,
cuja distinção é enunciada pela teoria. Deixemos a literatura para o próximo capítulo e examinemos mais de perto os dois outros termos.

TEORIA, CRÍTICA, HISTÓRIA [2]

Por crítica literária compreendo um discurso sobre as obras literárias
que acentua a experiência da leitura, que descreve, interpreta, avalia
o sentido e o efeito que as obras exercem 21








sobre os (bons) leitores, mas sobre leitores não necessariamente cultos nem profissionais. A crítica aprecia, julga; procede por simpatia (ou antipatia), por identificação ou projeção: seu lugar ideal é o salão, do qual a imprensa é uma metamorfose, não a universidade; sua primeira forma é a conversação.

Por história literária compreendo, em compensação, um discurso que insiste nos fatores exteriores à experiência da leitura, por exemplo, na concepção ou na transmissão das obras, ou em outros elementos que em geral não interessam ao não-especialista.
A história literária é a disciplina acadêmica que surgiu ao longo do século XIX, mais conhecida, aliás, com o nome de filologia, scholarship, Wissenschaft, ou pesquisa.

Às vezes opõem-se crítica e história literárias como um procedimento intrínseco e um procedimento extrínseco: a crítica lida com o texto, a história com o contexto. Lanson
observava que se faz história literária a partir do momento em que se lê o nome do autor na capa do livro, em que se dá ao texto um mínimo de contexto. A crítica literária enuncia proposições do tipo "A é mais belo que B", enquanto a história literária afirma: "C deriva de D." Aquela visa a avaliar o texto, esta a explicá-lo.

A teoria da literatura pede que os pressupostos dessas afirmações sejam explicitados. O que você chama de literatura? Quais são seus critérios de valor?, perguntará ela aos críticos, pois
tudo vai bem entre leitores que compartilham das mesmas normas e que se entendem
por meias palavras, mas, se não é o caso, a crítica (a conversação) transforma-se logo em diálogo de surdos. Não se trata de reconciliar abordagens diferentes, mas de compreender por que elas
são diferentes.

O que você chama de literatura? Que peso você atribui a suas propriedades especiais ou a seu valor especial?, perguntará a teoria aos historiadores.
Uma vez reconhecido que os textos literários possuem traços distintivos, você os trata como documentos históricos, procurando neles suas causas factuais: vida do autor, quadro social e cultural, intenções atestadas, fontes. O paradoxo salta aos olhos: você explica pelo contexto
um objeto que lhe interessa precisamente porque escapa a esse contexto e sobrevive a ele.

A teoria protesta sempre contra o implícito: incômoda, ela é o protervus (o protestante) da velha escolástica. Ela pede 22













contas, não adota a opinião de Proust em Le Temps Retrouvé [O Tempo Redescoberto], pelo menos naquilo que diz respeito aos estudos literários: "Uma obra onde há teoria é como um objeto no qual se deixa a marca do preço."6 A teoria quer saber o preço. Não tem nada de abstrato, faz perguntas, aquelas perguntas sobre textos particulares com os quais historiadores e críticos se deparam sem cessar, mas cujas respostas são dadas de antemão. A teoria lembra que essas perguntas são problemáticas, que podem ser respondidas de diversas maneiras:
ela é relativista.



TEORIA OU TEORIAS


Empreguei, até aqui, a palavra teoria no singular, como se só houvesse uma teoria. Ora, todo mundo já ouviu falar que há teorias literárias, a teoria do senhor fulano de tal, a teoria da senhora fulana de tal. Então, a teoria ou as teorias seriam um pouco como doutrinas ou dogmas críticos, ou ideologias. Há tantas teorias quanto teóricos, como nos domínios em que a experimentação é pouco praticável. A teoria não é como a álgebra ou a geometria: o professor de teoria ensina sua teoria, o que lhe permite, como a Lanson, pretender que os outros não têm nenhuma. Perguntar-me-ão: qual é a sua teoria? Responderei: nenhuma. E é isto que dá medo: gostariam de saber qual é a minha doutrina, a fé que é preciso abraçar ao longo deste livro. Estejam tranqüilos, ou ainda mais preocupados. Eu não tenho fé - o protervus é sem fé e sem lei, é o eterno advogado do diabo, ou o diabo em pessoa: Forse tu non pensa vi ch 'io
loico fossi! Como Dante lhe faz dizer, "Talvez não pensasses que eu fosse um lógico" ("Inferno", canto XXVII, v.122-123) -, nenhuma doutrina, senão a da dúvida hiperbólica diante
de todo discurso sobre a literatura. À teoria da literatura, vejo-a como uma atitude analítica e de aporias, uma aprendizagem cética (crítica), um ponto de vista meta crítico visando interrogar, questionar os pressupostos de todas as práticas críticas (em sentido amplo), um "Que
sei eu?" perpétuo.

Evidentemente, há teorias particulares, opostas, divergentes, conflitantes - o campo, afirmei, é polêmico -, mas não vamos aderir a esta ou àquela teoria; vamos refletir de maneira analítica e cética sobre a literatura, sobre o estudo 23









literário, ou seja, sobre todo discurso - crítico, histórico, teórico - a respeito da literatura. Tentaremos ser menos ingênuos.
A teoria da literatura é uma aprendizagem da não ingenuidade. "Em matéria de crítica literária", escrevia Julien Gracq, "todas as palavras que conduzem a categorias são armadilhas".7




TEORIA DA LITERATURA OU TEORIA LITERÁRIA






Uma outra pequena distinção preliminar. Falei, nos últimos parágrafos, de teoria da literatura, não de teoria literária. Seria pertinente essa distinção? Segundo, por exemplo, o modelo
da história da literatura e da história literária (a síntese versus a análise, o quadro da literatura em oposição à disciplina filológica, como o manual de Lanson, Histoire de Ia Littérature
Française [História da Literatura Francesa], de 1895, frente à Revue d'Histoire Littéraire de Ia France, fundada em 1894). A teoria da literatura, como no manual de Wellek e Warren que traz o título em inglês, Theory of Literature [Teoria da Literatura] (1949), é geralmente
considerada um ramo da literatura geral e comparada: designa a reflexão sobre as condições da literatura, da crítica literária e da história literária; é a crítica da crítica, ou a metacrítica.

A teoria literária é mais opositiva e se apresenta mais como uma crítica da ideologia, compreendendo aí a crítica da teoria da literatura: é ela que afirma que temos sempre uma teoria e que, se pensamos não tê-Ia, é porque dependemos da teoria dominante num dado lugar e num dado momento. A teoria literária se identifica também com formalismo, desde os forma listas russos do início do século XX, marcados, na verdade, pelo marxismo. Como lembrava de Man, a teoria literária passa a existir quando a abordagem dos textos literários não é mais fundada em considerações não lingüísticas, considerações, por exemplo, históricas ou estéticas;
quando o objeto de discussão não é mais o sentido ou o valor, mas modalidades de produção de sentido ou de valor.8 Essas duas descrições da teoria literária (crítica da ideologia, análise lingüística) se fortalecem mutuamente, pois a crítica da ideologia é uma denúncia da ilusão
lingüística (da idéia de que a língua e a literatura são evidentes em si mesmas): a teoria literária expõe o código e a convenção ali onde a teoria postulava a natureza. 24






  • Infelizmente, essa distinção (teoria da literatura versus teoria literária), clara em inglês, por exemplo, foi obliterada em francês: o livro de Wellek e Warren, Theory of Literature, foi traduzido - tardiamente, como dissemos - com o título La Théorie L ittéra ire, em 1971, enquanto a antologia dos formalistas russos, de Tzvetan Todorov, foi publicada, alguns anos antes, pelo mesmo editor, com o título Théorie de ta Littérature (1966). É preciso examinar esse quiasmo para melhor nos situarmos.

    Como já se terá compreendido, utilizo-me das duas tradições. Da teoria da literatura: a reflexão sobre as noções gerais, os princípios, os critérios; da teoria literária: a crítica ao bom senso literário e a referência ao formalismo. Não se trata, pois, de fornecer receitas. A teoria não é o método, a técnica, o mexerico. Ao contrário, o objetivo é tornar-se desconfiado de todas as receitas, de desfazer-se delas pela reflexão.
    Minha intenção não é, portanto, em absoluto, facilitar as coisas, mas ser vigilante, suspeitoso, cético, em poucas palavras: crítico ou irônico. A teoria é uma escola de ironia.

    A LITERATURA REDUZIDA A SEUS ELEMENTOS

    Sobre que noções exercer, aguçar nosso espírito crítico? A relação entre a teoria e o senso comum é naturalmente conflituosa. É, pois, o discurso corrente sobre a literatura,
    designando os alvos da teoria, que permite colocar melhor a teoria àprova.
    Ora, todo discurso sobre a literatura, todo estudo literário está sujeito, na sua base, a algumas grandes questões, isto é, a um exame de seus pressupostos relativamente a um pequeno número de noções fundamentais. Todo discurso sobre a literatura assume posição
    - implicitamente o mais das vezes, mas algumas vezes explicitamente - em relação
    a estas perguntas, cujo conjunto define uma certa idéia de literatura:

  • O que é literatura?
  • Qual é a relação entre literatura e autor?
  • Qual é a relação entre literatura e realidade?
  • Qual é a relação entre literatura e leitor?
  • Qual é a relação entre literatura e linguagem?

    Quando falo de um livro, construo forçosamente hipóteses sobre
    essas definições. Cinco elementos são indispensáveis 25




para que haja literatura: um autor, um livro, um leitor, uma língua e um referente.

A isso acrescentaria duas questões que não se situam exatamente no mesmo nível e que dizem respeito, precisamente, à história e à crítica: que hipóteses levantamos sobre a transformação,
o movimento, a evolução literária, e sobre o valor, a originalidade, a pertinência literária? Ou ainda: como compreendemos a tradição literária, tanto no seu aspecto dinâmico (a história) quanto no seu aspecto estático (o valor)?

Essas sete questões encabeçam cada capítulo do meu livro - a literatura, o autor, o mundo, o leitor, o estilo, a história e o valor -, aos quais dei títulos inspirados no senso comum, pois é
o eterno combate entre a teoria e o senso comum que dá à teoria seu sentido. Quem abre um livro tem essas noções em mente. Reformulados um pouco mais teoricamente, os quatro primeiros títulos poderiam ser os seguintes: literariedade, intenção, representação,
recepção. Em relação aos três últimos - estilo, história, valor -, parece que não há motivo para
distinguir a fala dos amadores da dos profissionais: uns e outros recorrem às
mesmas palavras.

Para cada pergunta, gostaria de mostrar a variedade de respostas possíveis, não tanto o conjunto daquelas que foram dadas na história, mas das que se fazem hoje: o projeto não é o de uma história da crítica, nem o de um quadro das doutrinas literárias. A teoria da literatura é uma lição de relativismo, não de pluralismo: em outras palavras, várias respostas são possíveis,
não compossíveis; aceitáveis, não compatíveis; ao invés de se somarem numa visão total e mais completa, elas se excluem mutuamente, porque não chamam de literatura, não qualificam
como literária a mesma coisa; não visam a diferentes aspectos do mesmo objeto, mas a diferentes objetos. Antigo ou moderno, sincrônico ou diacrônico, intrínseco ou extrínseco: não é
possível tudo ao mesmo tempo. Na pesquisa literária, "mais é menos", motivo pelo qual devemos escolher. Além disso, se amo a literatura, minha escolha já foi feita. Minhas decisões
literárias dependem de normas extraliterárias - éticas, existenciais -, que regem outros aspectos da minha vida.

Por outro lado, essas sete questões sobre a literatura não são independentes. Formam um sistema. Em outras palavras, a resposta que dou a uma delas restringe as opções que se abrem para responder às outras: por exemplo, se acentuo o 26









papel do autor, é possível que não dê tanta importância à língua; se insisto na literariedade, minimizo o papel do leitor; se destaco a determinação da história, diminuo a contribuição
do gênio etc. Esse conjunto de escolhas é solidário. É por isso que qualquer questão permite uma entrada satisfatória no sistema, e sugere todas as outras. Uma única, a intenção, por exemplo, talvez seja suficiente, para tratar de todas elas.

É por isso também que a ordem de análise dessas questões é, no fundo, indiferente: poder-se-ia tirar uma carta ao acaso e seguir a pista. Escolhi percorrê-Ias fundamentando-me numa hierarquia que corresponde, também ela, ao senso comum, o qual, em relação à literatura, pensa mais no autor do que no leitor, na matéria mais do que na maneira.

Todos os lugares da teoria serão assim, visitados, salvo, talvez, o gênero (trataremos dessa questão brevemente, quando falarmos da recepção), porque o gênero não foi uma causa célebre da teoria literária dos anos sessenta. O gênero é uma generalidade, a mediação mais evidente entre a obra individual e a literatura. Ora, por um lado, a teoria desconfia das evidências, por outro, visa aos universais.

Essa lista tem qualquer coisa de provocação, visto que nela constam, simplesmente, as ovelhas negras da teoria literária, moinhos de vento contra os quais ela se esfalfou para forjar conceitos salutares. Que não se veja aí, entretanto, nenhuma malícia! Inventariar os inimigos da teoria parece-me o melhor, o único meio, em todo o caso o mais econômico, de examiná-los com confiança, de traçar seus passos, testemunhar sua energia, torná-Ia viva, assim como ainda éindispensável, depois de mais de um século, descrever a arte moderna através das convenções que a negaram.

Enfim, talvez sejamos levados a concluir que o "campo literário", apesar das diferenças de posição e de opinião, às vezes exacerbadas, para além das querelas intermináveis que o
animam, repouse sobre um conjunto de pressupostos e de crenças partilhados
por todos. Pierre Bourdieu julgava que
“as posições assumidas com relação à arte e à literatura L..] organizam-se em pares de oposições, muitas vezes herdados de um passado polêmico e concebidos como antinomias
intransponíveis, alternativas absolutas, em termos de tudo ou nada, que estruturam o pensamento, mas também o aprisionam numa série de falsos dilemas.9 ” 27







Trata-se de arrombar essas falsas janelas, essas contradições traiçoeiras, esses paradoxos fatais que dilaceram o estudo literário; trata-se de resistir à alternativa autoritária entre a teoria
e o senso comum, entre tudo ou nada, porque a verdade está sempre no entrelugar.



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[1] Ás vezes o escritor coloca algumas cerejas no meio do bolo, ou acorda o leitor no meio do texto com uma provocação, tal como faz aqui Compagnon.. Qualquer leitor menos atento desperta ao ler que um sábio como Platão queria excluir os poetas da República. Segundo Compagnon porque ele estava buscando "gramáticas prescritivas da literatura, normativas. Força de uma expressão desnecessária, exceto para alimentar a ira indignada do leitor, que bem pode saciado ir à procura de novas cerejas.

Talvez Compagnon esteja se referindo à : Republica, Livro X - 607a. "Quando encontrares adoradores de Homero, dizendo que este poeta foi o educador da Grécia, e que é digno de se tomar por modelo na educação,..deves concordar com eles que Homero é o maior dos poetas. Mas devemos reconhecer que, quanto à poesia, somente se devem receber na cidade hinos aos deuses... Se, porém acolheres a Musa aprazível na lírica ou na epopéia, governarão a cidade o prazer e a dor, em lugar da lei e do princípio, que a comunidade considere, em todas as circustâncias, o melhor. ......É a razão que obriga-nos a excluir uma arte desta espécie. Para não nos acusarmos de rude, observamos que é antiga a diferença entre filosofia e poesia....."

De fato Platão ao excluir Homero como fonte de ensino, estava condenando o senso comum, e talvez neste sentido fazendo uma teoria da educação - veja a Educação na República. . Antes a educação baseiava-se tão somente na decoração dos versos de Homero, fora as artes da guerra. Platão propõe usar a harmonia, o ritmo, as narrativas, a geometria e a filosofia para a educação dos bons cidadãos. Não estava abandonando o belo, tanto é que a música, sua harmonia e ritmo eram essencial para que os jovens aprendessem a cultivar e reconhecer a verdade e a sabedoria. . Veja uma discussão detalhada de Ian Johnston a respeito da "poesis" em Platão.

Aristósteles aluno, porém não discípulo, de Platão não é uma continuidade, é um corte no conhecimento, na forma, no estilo, uma verdadeira revolução. São dois autores completamente diferentes, opostos - Joyce disseca seus estilos no Episódio 9 de Ulysses na biblioteca, e fecha com Aristóteles.

Que Aristóteles estava fazendo teoria da literatura, ou coisa parecida, em sua Poética, classificando os gêneros e as funções não se discute. De fato ele necessitava de normatizar uma gramática, até então consolidada na tradição, em grande parte oral.

Porém a rusga com Platão e os Poetas (e não com a poesia, o belo), é de outra natureza. É uma ação política, difícil de entender nos dias de hoje depois de Dante. Na República Platão analisa o poeta Homero, e o trágico Eurípedes em dois livros. No livro III, pode-se afirmar que Platão foi o primeiro crítico literário que deixou alguma coisa escrito. Trechos da Odisséia e da Ilíada são ali analisados com a precisão dos críticos modernos.

Decorar faz um mal irreparável ao raciocínio, que o digam os fundamentalistas. Os grandes escritores judeus só produziram obras primas - para citar poucos: Spinoza, Heine, Canetti, Marx quando deixaram de recitar o Torá. Sacrificaram por nós, os gentios, abandonando a rota do paraíso e entregando-nos o ouro da reflexão, tal como Prometeu - amigo dos homens, Spinoza foi acorrentado às portas da sinagoga




[2] Uma ilustração de Teoria da Literatura (um pouco borrada), Crítica e História Literária.









quarta-feira, agosto 25, 2004

o demônio da Teoria - Compagnon - O que restou

introdução
o que restou de nossos amores



"Para o pobre Sócrates, só havia o Demônio da proibição; o meu é um grande afirmador, o meu é um Demônio de ação, um Demônio de combate.
Baudelaire, "Espanquemos os pobres!

Ce pauvre Socrate n'avait qu'un Démon prohibiteur; le mien est un grand affirmateur, le mien est un Démon d'action, un Démon de combat. "


Parodiando uma célebre frase: "Os franceses não têm a mente teórica." Pelo menos até a explosão dos anos sessenta e setenta. A teoria literária viveu então seu momento de glória, como se a fé do prosélito lhe houvesse, de repente, permitido resgatar quase um século de atraso num átimo de segundo. Os estudos literários franceses não conheceram nada semelhante ao formalismo russo, ao círculo de Praga, ao New
Criticism anglo-americano, sem falar da estilística de Leo Spitzer nem da topologia de Ernst Robert Curtius, do antipositivismo de Benedetto Croce nem da crítica das variantes de Gianfranco Contini, ou ainda da escola de Genebra e da crítica da consciência, ou mesmo do antiteorismo deliberado de F. R. Leavis e de seus discípulos de Cambridge. Para contrabalançar todos esses movimentos originais e influentes que
ocuparam a primeira metade do século XX na Europa e na América do Norte, só poderíamos citar, na França, a "Poética" de Valéry, segundo o título da cátedra que ocupou no Colégio de França (1936) - efêmera disciplina, cujo progresso foi logo interrompido pela guerra, depois pela morte -, e talvez as sempre enigmáticas Fleurs de Tarbes [Flores de Tarbes], de Jean Paulhan (941), tateando confusamente a definição
de uma retórica geral, não instrumental, da língua: esse "Tudo é retórica", que a desconstrução deveria redescobrir em Nietzsche, por volta de 1968. O manual de René Wellek e Austin Warren, Theory of Literature [Teoria da Literatura],pág. 11
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publicado nos Estados Unidos em 1949, encontrava-se disponível (nos fins dos anos sessenta), em espanhol, japonês, italiano, alemão, coreano, português, dinamarquês, servo-croata, grego moderno, sueco, hebreu, romeno, finlandês e gujarati, mas não em francês, idioma no qual só foi publicado em 1971, com o título de Ia Théorie Iittéraire [A Teoria Literária], um dos primeiros da coleção "Poétique", nas Éditions du Seuil, sem nunca ter feito parte da coleção de bolso. Em 1960, pouco antes de morrer, Spitzer atribuía esse atraso e esse isolamento franceses a três fatores: um velho sentimento de superioridade ligado a uma tradição literária e intelectual contínua e eminente; o espírito geral dos estudos literários, sempre marcado pelo positivismo científico do século XIX, à procura das causas; a predominância da prática escolar de explicação de texto, isto é, de uma descrição ancilar das formas literárias, impedindo o desenvolvimento de métodos formais mais sofisticados. Acrescentaria de bom grado, mas isso é evidente, a ausência de uma lingüística e de uma filosofia da linguagem comparáveis às que invadiram as universidades de língua alemã ou inglesa, desde Gottlob Frege, Bertrand Russel, Ludwig Wittgenstein e Rudolf Carnap, assim como a fraca incidência da tradição hermenêutica transformada, entretanto, na Alemanha, inteiramente, por Edmund Husserl e Martin Heidegger.
Em seguida, as coisas mudaram rapidamente - aliás, começaram a se mover, no momento em que Spitzer fazia aquele diagnóstico severo -, a tal ponto que, por uma muito curiosa reversão que leva a refletir, a teoria francesa viu-se, momentaneamente, alçada à vanguarda dos estudos literários no mundo, um pouco como se tivéssemos, até então, recuado para saltar melhor, a menos que um tal fosso, subitamente transposto, tenha permitido inventar a pólvora com uma inocência e um ardor tais que deram a ilusão de um avanço, durante esses miríficos anos sessenta, que se estenderam, de fato, de 1963, fim da guerra da Argélia, até 1973, com o primeiro choque petroleiro. Por volta de 1970, a teoria literária estava no auge e exercia um imenso atrativo sobre os jovens da minha geração. Sob várias denominações - "nova crítica", "poética", "estruturalismo", "semiologia", "narratologia" -, ela brilhava em todo seu esplendor. Quem viveu esses anos feéricos só pode se lembrar deles com nostalgia. Uma corrente Pág. 12
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poderosa arrastava a todos nós. Naquele tempo, a imagem do estudo literário, respaldada pela teoria, era sedutora, persuasiva, triunfante.
Esse não é mais, exatamente, o quadro. A teoria institucionalizou-se, transformou-se em método, tornou-se uma pequena técnica pedagógica, freqüentemente tão árida quanto a explicação de texto, que ela atacava, então, energicamente. A estagnação parece inscrita no destino escolar de toda teoria. A história literária, jovem disciplina ambiciosa e atraente do final do século XIX, conheceu a mesma triste evolução, e a nova crítica não escapou disso. Depois do frenesi dos anos sessenta e setenta, durante os quais os estudos literários franceses alcançaram e mesmo ultrapassaram os outros no caminho do formalismo e da textualidade, as pesquisas teóricas não conheceram maiores desenvolvimentos na França. Seria o caso de incriminar o monopólio da história literária sobre os estudos franceses, o qual a nova crítica não teria conseguido abalar em profundidade, mas apenas disfarçar provisoriamente? A explicação - de Gérard Genette - parece insuficiente, pois a nova crítica, mesmo que não tenha derrubado os muros da velha Sorbonne, implantou-se solidamente na Educação nacional, sobretudo no ensino secundário. Talvez por isso mesmo ela tenha se tornado rígida. É impossível, hoje, passar num concurso sem dominar os distinguos sutis e o jargão da narratologia. Um candidato que não saiba dizer se o pedaço de texto que tem sob os olhos é "homo-" ou "heterodiegético", "singulativo" ou "iterativo", de "focalização interna" ou "externa" não é admitido, assim como outrora era necessário distinguir um anacoluto de uma hipálage, e saber a data de nascimento de Montesquieu. Para compreender a singularidade do ensino superior e da pesquisa na França, é preciso ter sempre em mente a dependência histórica da universidade em relação aos concursos de admissão de professores ao ensino secundário. É como se nos tivéssemos provido, antes de 1980, de tudo o que é suficiente como teoria para renovar a pedagogia: um pouco de poética e de narratologia para explicar o verso e a prosa. A nova crítica, assim como, algumas gerações antes, a história literária de Gustave Lanson, viu-se rapidamentereduzida a algumas receitas, truques e astúcias para brilhar nos concursos. O impulso teórico estancou-se desde que forneceu uma certa ciência de apoio à sacrossanta explicação de texto.
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A teoria foi, na França, um fogo de palha, e a aspiração que Barthes formulava em 1969 - "a nova crítica deve tornar-se muito rapidamente um novo adubo, para depois, fazer outra coisa"! - parece não ter sido realizada. Os teóricos dos anos sessenta e setenta não tiveram sucessores. O próprio Barthes foi canonizado, o que não é a melhor forma de manter viva e ativa uma obra. Outros mudaram e se entregaram a trabalhos muito distanciados de seus primeiros amores; alguns, como Tzvetan Todorov ou Genette, orientaram-se para a ética ou a estética. Muitos voltaram-se para a velha história literária pelo viés da redescoberta de manuscritos, como revela a moda da crítica dita genética. A revista Poétique, que existe ainda, publica essencialmente exercícios de epígonos; o mesmo se dá com Littérature, outra instituição pós-68, sempre eclética, acolhendo o marxismo, a sociologia e a psicanálise. A teoria acomodou-se e não é mais o que era: está aí assim como todos os séculos literários estão aí, como todas as especialidades convivem na universidade, cada uma em seu lugar. Encontra-se compartimentada, inofensiva, espera os estudantes à hora certa, sem outro intercâmbio com outras especialidades nem com o mundo a não ser por intermédio desses estudantes que vagueiam de uma disciplina a outra. Não está mais viva que as outras disciplinas, na medida em que não é mais ela que diz por que e como seria necessário estudar a literatura, qual é a pertinência, a provocação atual do estudo literário. Ora, nada a substituiu nesse papel, aliás, não mais se estuda tanto a literatura.
"A teoria voltará, como tudo, e seus problemas serão redescobertos no dia em que a ignorância for tão grande que só produzirá tédio." Philippe Sollers anunciava esse retorno desde 1980, ao prefaciar a reedição de Théorie d'Énsemble [Teoria do Conjunto] - ambicioso volume publicado durante o outono que se seguiu a maio de 1968 e cujo título foi extraído das matemáticas - e ao reunir, talvez com uma suspeita de "terrorismo intelectual" - como Sollers reconheu posteriormente _,2 as assinaturas de Michel Foucault, Roland Barthes, Jacques Derrida, Julia Kristeva e todo o grupo de Tel Quel, o melhor da teoria então no seu ápice. A teoria ia, então, de vento em popa, dava vontade de viver. "Desenvolver a teoria para não se atrasar na vida", havia decretado Lénine, e Louis Althusser invocava-o para denominar Pág. 14
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"Teoria" à coleção que dirigia na Maspero. Pierre Macherey publicou aí, em 1966, ano guia do movimento estruturalista, Pour une Théorie de Ia Production Littéraire [Por uma Teoria da Produção Literária], obra na qual o sentido marxista da
teoria - crítica da ideologia e ascensão da ciência - e o
sentido formalista - análise dos procedimentos lingüísticos - entravam em entendimento com o domínio da literatura. A teoria era crítica e mesmo polêmica ou militante - como no título inquietante do livro de Boris Eikhenbaum em 1927, Littérature, Théorie, Critique, Polémique [Literatura, Teoria, Crítica, Polêmica] em parte traduzido por Tzvetan Todorov
na sua antologia dos formalistas russos, Théorie de Ia Litté
rature [Teoria da Literatura], em 1966 -, mas ambicionava também fundar uma ciência da literatura. "O objeto da teoria", escrevia Genette em 1972, "seria não apenas o real, mas também a totalidade do virtualliterário".3 O formalismo e o marxismo eram seus dois pilares para justificar a pesquisa dos invariantes ou dos universais da literatura, para considerar as obras individuais mais como obras possíveis do que como obras reais, como meros exemplos do sistema literário subjacente, mais cômodos para atingir a estrutura do que as obras desatualizadas, e apenas potenciais.
Se essa teoria de caráter ambíguo - ao mesmo tempo marxista e formalista - já tinha saído da moda em 1980, o que dizer hoje? Já fomos suficientemente atingidos pela ignorância e pelo tédio para desejarmos novamente a teoria ?

o demônio da Teoria - Literatura e senso comum de Antoine Compagnon

Extrato de : O Demônio da Teoria - Literatura e senso comum . Ed. UFMG, Trad. Cleonice Paes Barreto Mourão, Consuelo Fortes Santiago.

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INTRODUÇÃO
página
O Que Restou de Nossos Amores
11
Teoria e senso comum
15
Teoria e prática da literatura
19
Teoria, crítica, história
21
Teoria ou teorias
23
Teoria da literatura ou teoria literária
24
A literatura reduzida a seus elementos
25
Capítulo I - A LITERATURA
29
A Extensão da literatura
31
Compreensão da literatura: a função
35
Compreensão da literatura: a forma do conteúdo
38
Compreensão da literatura: a forma da expressão
39
Literariedade ou preconceito
42

Literatura é literatura

45
CAPITULO II - O AUTOR
47
A tese da morte do autor
49
Voluntas e actio
53
Alegoria e filologia
56
Filologia e hermenêutica
59
Intenção e consciência
65
O método das passagens paralelas
68
Straigh from tbe borse's mouth
71
Intenção ou coerência
75
Os dois argumentos contra a intenção
79
Retorno à intenção
84
Sentido não é significação
85
Intenção não é premeditação
90
A presunção de intencionalidade
93

CAPÍTULO III - O MUNDO

97
Contra a mimesis
99
A mimesis desnaturalizada
102
O realismo: reflexo ou convenção
106
Ilusão referencial e intertextualidade
109
Os termos da discussão
114
Crítica da tese antimimética
115
O arbitrário da língua
122
A mimesis como reconhecimento
127
Os mundos ficcionais
133
O mundo dos livros
137
CAPÍTULO IV - O LEITOR
139
A leitura fora do jogo
139
A resistência do leitor
143
Recepção e influência
146
O leitor implícito
147
A obra aberta
153
O horizonte de expectativa (Fantasma)
156
O gênero como modelo de leitura
157
A leitura sem amarras
159
Depois do leitor
163
CAPITULO V - O ESTILO
165
O estilo e todos os seus humores
166
Língua, estilo, escritura
173
Clamor contra o estilo
176
Norma, desvio, contexto
180
O estilo como pensamento
184
O retorno do estilo
187
Estilo e exemplificação
189
Norma ou agregado
192
CAPITULO VI - A HISTÓRIA
195
História literária e história da literatura
198
História literária e crítica literária
201
História das idéias, história social
204
A evolução literária
207
O horizonte de expectativa
209
A filologia disfarçada
214
História ou literatura?
218
A história como literatura
222
CAPÍTULO VII - O VALOR
225
Na sua maioria, os poemas são ruins, mas são poemas
227
A ilusão estética
231
O que é um clássico?
234
Da tradição nacional em literatura
239
Salvar o clássico
242
Última defesa do objetivismo
247
Valor e posteridade
250
Por um relativismo moderado
253
CONCLUSÃO
A Aventura Teórica
257
Teoria ou Ficção
258
Teoria e "bathmologia"
259
Teoria e perplexidade
261








quarta-feira, agosto 18, 2004

Qu´est-ce qu´un auteur ? Antoine Compagnon

Texto Original de: http://www.fabula.org/compagnon/auteur.php

aula 1: Introduction : mort et résurrection de l'auteur
Le titre de ce cours est inspiré d'un fameux article de Michel Foucault, « Qu'est-ce qu'un auteur ? », texte d'une conférence donnée en février 1969 à la Société française de Philosophie. Elle venait peu après un article non moins fameux de Roland Barthes, au titre plus fracassant, « La mort de l'auteur », publié en 1968. Ces deux textes, qui ont figuré parmi les pages les plus photocopiées par les étudiants de lettres avant de devenir disponibles, bien plus tard seulement, dans des recueils posthumes (Barthes, Le Bruissement de la langue, 1984 ; Foucault, Dits et écrits, 1994), énonçaient le credo de la théorie littéraire des années 1970, diffusée sous le nom de post-structuralisme, ou encore de déconstruction.
Au départ, ces deux critiques étaient animés par un mouvement d'hostilité à l'égard de l'histoire littéraire lansonienne (de Gustave Lanson, le promoteur, à la fin du xixe siècle, de l'histoire littéraire à la française), dont ils contestaient la domination dans les études littéraires à l'université. Ils s'opposaient à la littérature considérée en relation avec son auteur, ou comme expression de son auteur, suivant une doctrine résumée dans le titre courant des thèses de lettres : X, l'homme et l'oeuvre. Avant Lanson, cette vulgate était identifiée depuis longtemps à Sainte-Beuve, le premier des critiques au xixe siècle : Proust s'élevait contre sa méthode biographique dans le titre bien connu de la première ébauche de la Recherche : Contre Sainte-Beuve. « Qu'importe qui parle », s'écriait assez brutalement Foucault pour commencer, « quelqu'un a dit qu'importe qui parle ». Ce faisant, il citait Beckett, non sans ironie puisque, au moment de proclamer l'anonymat de la parole dans la littérature contemporaine, il en empruntait la formulation à un auteur canonique. Ainsi la prise de position critique de Barthes et de Foucault, si elle les dressait contre la descendance de Sainte-Beuve et Lanson, signalait-elle d'emblée qu'elle se voulait en phase avec la littérature d'avant-garde, celle d'un Beckett, ou encore d'un Blanchot, qui avaient décrété la disparition de l'auteur, défini l'écriture par l'absence de l'auteur, par le neutre, environ deux décennies plus tôt. Foucault continuait en donnant un tour politique à une idée très blanchotienne : « l'écriture d'aujourd'hui s'est affranchie du thème de l'expression » (Fpucault, 1994, p. 792-793). Une théorie littéraire a souvent tendance à ériger en universaux de la littérature ses préférences ou complicités du moment. L'opposition à la tradition critique, l'adhésion à l'avant-garde littéraire : telles étaient donc les deux prémisses de la mort de l'auteur.
Si je commence par évoquer ces articles-manifestes de Barthes et Foucault en 1968 et 1969, c'est pour vous rappeler que la question de la place à faire à l'auteur est l'une des plus controversées dans les études littéraires. Parlant cette année de l'auteur, de la nature et de la fonction de la notion d'auteur dans les études littéraires, dans la critique littéraire, l'histoire littéraire, l'enseignement de la littérature, la recherche sur la littérature, nous allons faire de la théorie de la littérature - suivant le titre de ce cours -, au sens où nous allons réfléchir ensemble sur les conditions de ces études, critique, histoire, enseignement, recherche littéraires. Nous allons faire de la « critique de la critique », et aussi de l'histoire des notions critiques, manières d'y voir plus clair dans ce que nous faisons lors que nous nous référons couramment à l'auteur, lorsque nous utilisons ce terme et cette notion sans distance critique, comme s'ils allaient de soi. Le plan du cours allie des considérations plus historiques et des considérations plus théoriques, dans le but de décrire, de définir l'auteur par autant de moyens. Il y a toute une série de termes voisins qu'à la faveur de cette réflexion nous analyserons en chemin, tels que biographie, portrait, du côté de la critique beuvienne, ou intention - qui est probablement la notion la plus importante et la plus difficile, renvoyant au rôle donné à l'auteur dans l'interprétation des textes -, ou inspiration, pour désigner les notions anciennes de la poésie, ou signature, propriété, droit d'auteur, pour renvoyer cette fois au statut moderne de l'auteur depuis les Lumières, ou encore toute la série des transgressions, plagiat, parodie, pastiche, qui, a contrario, permettent de mieux saisir la notion positive d'auteur.
Avec Barthes et Foucault, nous partons des débats et enjeux récents relatifs à l'auteur. C'est parce que notre projet est double : d'une part reconstruire l'histoire d'une notion littéraire (analyser les continuités et les changements de signification de cette notion dans l'histoire) ; d'autre part confronter cette notion avec la littérature et les études littéraires d'aujourd'hui (apprécier sa compatibilité avec l'état actuel des questions littéraires et plus généralement culturelles). Je mets donc d'abord l'accent sur l'actualité (ou sur l'histoire récente : les idées de Barthes et Foucault, que l'expérience des décennies ultérieures n'a pas, il me semble, désavouées, qu'elle a au contraire confirmées), avant de remonter dans le temps une fois muni d'une problématique, c'est-à-dire d'un cadre de questions à poser. Comme pour toutes les notions philosophiques, il existe une époque de transition à partir de laquelle elles nous sont accessibles immédiatement, car elles n'ont plus radicalement changé de contenu depuis lors. Ce tournant historique de la modernité philosophique s'étend, suivant les notions, sur la période 1750-1850, des Lumières au romantisme. Quant à l'auteur, cela signifie que depuis les Lumières (l'avènement du droit d'auteur) et le romantisme (l'avènement de la critique beuvienne), la notion juridico-esthétique en question a connu, malgré les variantes, une certaine stabilité, et que le débat sur sa pertinence dans l'étude littéraire a été continu. Nous tenterons de combiner de manière dialectique une réflexion sur les problématiques contemporaines et une reconstruction historique. Il ne s'agira donc pas seulement de retracer l'évolution de la notion d'auteur, ou d'observer les changements historiques de paradigme pouvant mener à son emploi actuel, mais aussi, et au-delà de cette entreprise somme toute classique d'historien, de prendre position dans le débat contemporain, avec l'idée que les deux démarches s'approfondiront mutuellement. Le xxe siècle a commencé par les transgressions de la littérature (donc de la notion d'auteur) par les avant-gardes, et il s'est terminé sur la dissolution des limites de la littérature (donc de la notion d'auteur) par la postmodernité. Aujourd'hui, les nouveaux médias électroniques rendent urgente cette question : quelle acception peut-on encore donner à une notion critique comme celle d'auteur quand elle est confrontée à la variété et à la diversité des expériences et pratiques culturelles ?
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Dans tout débat sur l'auteur, disais-je, le conflit porte au fond sur la notion d'intention, c'est-à-dire sur le rapport que l'on suppose entre le texte et son auteur, sur la responsabilité que l'on attribue à l'auteur sur le sens du texte et sur la signification de l'oeuvre. Il est bon de rappeler ici les deux idées reçues, l'ancienne et la moderne, fût-ce en les simplifiant quelque peu afin de disposer d'une opposition de départ. L'ancienne idée reçue, à laquelle Barthes et Foucault objectaient, identifiait le sens de l'oeuvre à l'intention de l'auteur ; elle avait cours communément sous l'empire de la philologie, du positivisme, de l'historicisme.
Si l'on considère la littérature comme une communication entre un auteur et un lecteur, sur le modèle de la linguistique ordinaire où un locuteur envoie un message à un destinataire (ajoutons que le message porte sur un référent et que son médium est linguistique), la particularité de la littérature tien au fait qu'elle constitue une communication in absentia : contrairement à ce qui a lieu dans la communication ordinaire, l'auteur n'est pas là pour préciser ce qu'il a voulu dire. D'où l'inquiétude d'une détermination des relations entre texte et auteur, et le grand rôle traditionnellement dévolu à la philologie (étude historique de la langue définissant le sens contemporain de l'auteur), à la biographie et à l'histoire dans les études littéraires, afin de déterminer du dehors ce que l'auteur a voulu dire.
L'idée reçue moderne, présente déjà chez Proust, dénonce la pertinence de l'intention d'auteur pour déterminer ou décrire la signification de l'oeuvre ; les formalistes russes, les New Critics américains, les structuralistes français l'ont répandue. Dès le début du siècle, les formalistes russes s'opposèrent à la critique biographique : pour eux, les poètes et les hommes de lettres ne sont pas l'objet de l'étude littéraire, mais la poésie et la littérature, ou encore la littérarité, suivant une proposition fondamentale très répandue au xxe siècle. T. S. Eliot jugeait ainsi que la poésie est « non l'expression d'une personnalité, mais une évasion de la personnalité » (« not the expression of a personality, but an escape from personality »). Les New Critics américains de l'entre-deux-guerres, qui voyaient dans la biographie un obstacle à l'étude littéraire, parlaient d'intentional fallacy, d'« illusion intentionnelle » ou d'« erreur intentionnelle » : le recours à la notion d'intention leur semblait non seulement inutile mais aussi nuisible pour l'étude littéraire.
Le conflit peut encore être décrit comme celui des partisans de l'explication littéraire, comme recherche de l'intention de l'auteur (on doit chercher dans le texte ce que l'auteur a voulu dire), et des adeptes de l'interprétation littéraire, comme description des significations de l'oeuvre (on doit chercher dans le texte ce qu'il dit, indépendamment des intentions de son auteur). Pour échapper à cette alternative, une troisième voie, souvent privilégiée aujourd'hui, insiste sur le lecteur comme critère de la signification littéraire.
L'auteur a été la cible des nouvelles critiques du xxe siècle non seulement parce qu'il symbolisait l'humanisme et l'individualisme dont elles voulaient débarrasser les études littéraires (« La mort de l'auteur » est devenue, aux yeux de ses partisans comme de ses adversaires, le slogan anti-humaniste de la science du texte), mais parce que son éviction emportait tout le reste de l'histoire littéraire traditionnelle. Pour les approches qui font de l'auteur un point de référence central, même si elles varient sur le degré de conscience intentionnelle (de préméditation) qui gouverne le texte, et sur la manière de rendre compte de cette conscience (plus ou moins aliénée) - individuelle pour les freudiens, collective pour les marxistes -, le texte n'est jamais qu'un moyen d'y accéder. Inversement, l'importance donnée au texte littéraire lui-même, à sa dite littérarité ou signifiance, revient à dénier l'intention d'auteur, et les démarches qui insistent sur la littérarité attribuent un rôle contingent à l'auteur, comme chez les formalistes russes et les New Critics américains, qui éliminèrent l'auteur pour assurer l'indépendance des études littéraires par rapport à l'histoire et à la psychologie. Barthes exigeait que l'étude littéraire fît l'impasse sur l'auteur, comme producteur du texte, et comme contrainte dans la lecture ; il proposait en revanche une analyse des discours fondée sur les modèles de la linguistique. Examiner les controverses sur l'auteur, c'est donc bénéficier d'un point de vue privilégié sur les débats de théorie littéraire. L'auteur est la voie royale de la théorie littéraire, dans la tension entre ces deux pôles : la croyance simple en ce que « l'auteur a voulu dire » comme limite de l'interprétation, et la table rase sur l'auteur.
*
Partons des deux thèses en présence. La thèse intentionnaliste est familière. L'intention d'auteur est le critère pédagogique ou académique traditionnel du sens littéraire. Sa restitution est, ou a longtemps été, la fin principale, ou même exclusive, de l'explication de texte. Suivant le préjugé ordinaire, le sens d'un texte, c'est ce que son auteur a voulu dire. L'avantage principal de l'identification du sens à l'intention est de résorber le problème de l'interprétation littéraire : si on sait ce que l'auteur a voulu dire, ou si on peut le savoir en faisant un effort - et si on ne le sait pas, c'est qu'on n'a pas fait un effort suffisant -, il n'y a pas lieu d'interpréter un texte. L'explication par l'intention rend donc la critique littéraire inutile (c'est le rêve de l'histoire littéraire). De plus, la théorie elle-même devient superflue : si le sens est intentionnel, objectif, historique, plus besoin non seulement de critique mais non plus de critique de la critique pour départager les critiques. Il suffit de travailler un peu plus, et on aura la solution.
L'intention, et plus encore l'auteur lui-même, étalon habituel de l'explication littéraire depuis le xixe siècle, a été le lieu par excellence du conflit entre les anciens (l'histoire littéraire) et les modernes (la nouvelle critique) dans les années soixante. La controverse sur la littérature et le texte s'est concentrée autour de l'auteur, en qui l'enjeu pouvait se résumer de façon simple. Tous les notions littéraires traditionnelles peuvent d'ailleurs être rapportés à celle d'intention d'auteur, ou s'en déduisent. De même, tous les concepts oppositionnels de la théorie peuvent se dégager de la prémisse de la mort de l'auteur, comme dans le fameux article de Barthes.

L'auteur est un personnage moderne, jugeait-il, produit sans doute par notre société dans la mesure où, au sortir du Moyen Âge, avec l'empirisme anglais, le rationalisme français, et la foi personnelle de la Réforme, elle a découvert le prestige de l'individu, ou, comme on dit plus noblement de la « personne humaine » (Barthes, 1984, p. 61-62).

Tel était le point de départ de la nouvelle critique : l'auteur n'est autre que le bourgeois, l'incarnation de l'idéologie capitaliste. Autour de lui, s'organisent suivant Barthes les manuels d'histoire littéraire et tout l'enseignement de la littérature : « L'explication de l'oeuvre est toujours cherchée du côté de celui qui l'a produite, comme si, à travers l'allégorie plus ou moins transparente de la fiction, c'était toujours finalement la voix d'une seule et même personne, l'auteur, qui livrait sa ãconfidenceä » (ibid., p. 62), ou comme si, d'une manière ou d'une autre, l'oeuvre était toujours un aveu, ne pouvait représenter autre chose qu'une expression de soi. Or Proust n'a cessé de proclamer qu'il ne sert à rien de fréquenter l'auteur pour comprendre l'oeuvre.
À l'auteur comme principe producteur et explicateur de la littérature, Barthes substitue le langage, impersonnel et anonyme, peu à peu revendiqué comme matière exclusive de la littérature par Mallarmé, Valéry, Proust, le surréalisme, ou encore : « L'écriture, c'est ce neutre, ce composite, cet oblique où fuit notre sujet, le noir-et-blanc où vient se perdre toute identité, à commencer par celle-là même du corps qui écrit » (ibid., p. 61). Barthes est ici tout proche de Mallarmé, qui demandait déjà « la disparition élocutoire du poète, qui cède l'initiative aux mots ». Pour Barthes, « c'est le langage qui parle, ce n'est pas l'auteur ». L'auteur ainsi disqualifié, le seul seul sujet en question dans la littérature est celui de l'énonciation : « l'auteur n'est jamais rien de plus que celui qui écrit, tout comme je n'est autre que celui qui dit je » (ibid., p. 63). Dans cette comparaison entre l'auteur et le pronom de la première personne, on reconnaît la réflexion d'Émile Benveniste sur « La nature des pronoms » (1956), qui eut une grande influence sur la nouvelle critique. L'auteur cède donc le devant de la scène à l'écriture, au texte, ou encore au scripteur, qui n'est jamais qu'un « sujet » au sens grammatical ou linguistique, un être de papier, non une « personne » au sens psychologique : c'est le sujet de l'énonciation, qui ne préexiste pas à son énonciation mais se produit avec elle, ici et maintenant. L'auteur n'est rien de plus qu'un copiste mêlant les écritures, loin de tout mythe de l'origine et de l'originalité ; l'auteur n'invente rien, il bricole. D'où il s'ensuit encore que l'écriture ne peut pas « représenter », « peindre » quoi que ce soit qui serait préalable à son énonciation, et qu'elle n'a pas plus d'origine que n'en a le langage. Sans origine, « le texte est un tissu de citations » : la notion d'intertextualité se dégage elle aussi de la mort de l'auteur. Quant à l'explication, elle disparaît avec l'auteur, puisqu'il n'y a pas de sens unique, originel, au principe, au fond du texte. Bref, la critique doit faire l'impasse sur l'auteur : « Donner un Auteur à un texte, c'est imposer à ce texte un cran d'arrêt, c'est le pourvoir d'un signifié dernier, c'est fermer l'écriture » (ibid., p. 68). La lecture ne correspond pas à un déchiffrement critique, mais à une appropriation : « La naissance du lecteur doit se payer de la mort de l'Auteur » (ibid., p. 69), comme obstacle à la liberté de la lecture. Ainsi, dernier maillon du nouveau système qui se déduit en entier de la mort de l'auteur : le lecteur, et non l'auteur, est le lieu où l'unité du texte se produit, dans sa destination au lieu de son origine, mais ce lecteur n'est pas plus personnel que l'auteur tout juste déboulonné, et il s'identifie lui aussi à une fonction : il est « ce quelqu'un qui tient rassemblées dans un même champ toutes les traces dont est constitué l'écrit » (ibid., p. 67).
Comme on le voit, tout se tient dans ce manifeste anti-lansonien contre l'auteur comme idole et garant du sens, jusqu'à la prise de pouvoir du lecteur, conformément à une prémisse déjà présente dans toute sa radicalité chez Blanchot : « Toute lecture [·] est une prise à partie qui annule [l'auteur] pour rendre l'oeuvre à sa présence anonyme, à l'affirmation violente, impersonnelle, qu'elle est » (L'Espace littéraire, p. 256).
L'ensemble de la théorie littéraire peut donc se rattacher à la prémisse de la mort de l'auteur, car elle s'oppose de front à l'axiome de l'histoire littéraire. Barthes lui donne à la fois une tonalité dogmatique : « Nous savons maintenant qu'un texte ... », et politique : « Nous commençons maintenant à ne plus être dupes de ... » La théorie coïncide avec une critique de l'idéologie : l'écriture ou le texte « libère une activité que l'on pourrait appeler contre-théologique, proprement révolutionnaire, car refuser d'arrêter le sens, c'est finalement refuser Dieu et ses hypostases, la raison, la science, la loi » (ibid., p. 66). Nous sommes en 1968 : le renversement de l'auteur, qui signale le passage du structuralisme systématique au post-structuralisme déconstructeur, est de plain-pied avec la rébellion anti-autoritaire. Afin et avant d'exécuter l'auteur, il a toutefois fallu l'identifier à l'individu bourgeois, à la personne psychologique, et ainsi réduire la question de l'auteur à celle de l'explication de texte par la vie et la biographie, restriction que l'histoire littéraire suggère sans doute, mais qui ne recouvre certainement pas tout le problème de l'intention, et ne le résout nullement.
Entre la mort pure et simple de l'auteur et la réduction de l'étude littéraire à la détermination de son intentiuon, on a proposé des médiations plus subtiles : Wayne Booth, Gérard Genette, Kate Hamburger, Umberto Eco ont distingué l'auteur empirique, l'auteur impliqué, l'éditeur, le narrateur homo- ou hétéro-diégétique (présent comme personnage dans l'histoire ou absent de l'histoire), le protagoniste, le narrataire, le lecteur idéal, le lecteur empirique. La mort de l'auteur, en dépit de sa violence, a inauguré une ligne de recherche productive.
Plus tard, Barthes n'a pas été sans ironiser sur la dérive iconoclaste de ces années de théorie radicale. Dès Le Plaisir du texte, en 1973, il prenait déjà ses distances :

Comme institution l'auteur est mort : sa personne civile, passionnelle, biographique, a disparu ; dépossédée, elle n'exerce plus sur son oeuvre la formidable paternité dont l'histoire littéraire, l'enseignement, l'opinion avaient à charge d'établir et de renouveler le récit : mais dans le texte, d'une certaine façon, je désire l'auteur : j'ai besoin de sa figure (qui n'est ni sa représentation, ni sa projection), comme elle a besoin de la mienne (sauf à « babiller ») (p. 45-46).

Bref, on ne se débarrasse pas à si bon compte de l'auteur. Le lecteur a besoin d'un interlocuteur imaginaire, construit par lui dans l'acte de lecture, sans lequel la lecture serait abstraction vaine. On peut limiter la place de la biographie et de l'histoire dans l'étude littéraire, relâcher la contrainte de l'identification du sens à l'intention, mais, si on aime la littérature, on ne peut pas se passer de la figure de l'auteur.
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Quelques mots enfin sur l'examen. Il est maintenant de tradition de vous donner à la fin de ce cours un texte anonyme en vous demandant d'en dégager et analyser les hypothèses à propos de la littérature et notamment de la ou des notions cruciales qui ont fait l'objet des leçons : cette année la notion d'auteur. Le but du cours étant le développement d'une conscience critique, la préparation à la recherche littéraire - savoir ce qu'on fait en le faisant -, la formation d'une épistémologie et d'une déontologie du métier, on est en doit d'attendre de vous que vous sachiez repérer les notions présupposées par une texte sur la littérature. L'auteur et les autres notions critiques sont liées, toutes se touchent et forment un réseau, comme on vient de le voir en parcourant l'article « La mort de l'auteur » de Barthes : tout s'y tient, et lorsqu'on tire un fil tout vient. Ainsi un texte mettant en jeu la notion d'auteur - en un sens, tout texte critique le fait - permet d'évaluer votre conscience critique.
Mais quel type de commentaire vous demander ? Vous appartenez à une génération qui été préparée à un nouvel exercice littéraire dont je suis devenu peu à peu familier en vous lisant : l'« étude d'un texte argumentatif », proposée à l'épreuve anticipée de français du baccalauréat depuis 1996. J'ai mis du temps à en percevoir les règles et conventions Pour beaucoup d'entre vous, vous les suivez comme une seconde nature lorsque vous avez un texte critique à commenter ; vous décrivez le type d'argumentation, d'énonciation, de modalisation, d'induction ou déduction, de focalisation, etc. Avant de vous lire, j'étais plutôt préparé à une évaluation des idées, à une interprétation du sens, à une confrontation avec d'autres conceptions des notions engagées, et non à l'« étude d'un texte argumentatif ». Que la nature de l'exercice attendu soit claire : nous n'attendons pas une « étude d'un texte argumentatif » sur le modèle de bac.
Dernière remarque préliminaire : dans ce cours j'ai l'habitude de faire une ou deux séances de questions, au milieu et à la fin, pour vous entendre, et aussi pour dialoguer avec vous. Vous pourrez, si vous êtes timide, poser des questions par écrit en le posant sur le bureau