segunda-feira, agosto 30, 2004

Compagnon - Introdução II

TEORIA E SENSO COMUM




Um balanço, um mapa, da teoria literária seria, entretanto, concebível? E de que forma? Não seria esse um projeto abortado se, como afirma Paul de Man, "o principal interesse teórico
da teoria literária consiste na impossibilidade de sua definição"?4
A teoria não poderia, então, ser apreendida senão graças a uma teoria negativa, segundo o modelo desse Deus escondido do qual somente uma teologia negativa pode falar. Isso significa situar o horizonte alto demais, ou longe demais as afinidades, aliás reais, entre a teoria literária
e o niilismo. A teoria não pode se reduzir a uma técnica nem 15








a uma pedagogia - ela vende sua alma nos vade-mécum de capas coloridas expostos nas vitrinas das livrarias do Quartier Latin -, mas isso não é motivo para fazer dela uma metafísica nem uma mística.
Não a tratemos como uma religião. A teoria literária não teria senão um "interesse teórico"? Não, se estou certo ao sugerir que ela é também, talvez essencialmente, crítica, opositiva ou polêmica.

Porque não é do lado teórico ou teológico, nem do lado prático ou pedagógico, que a teoria me parece principalmente interessante e autêntica, mas pelo combate feroz e vivificante que empreende contra as idéias preconcebidas dos estudos literários, e pela resistência igualmente determinada que as idéias preconcebidas lhe opõem. Esperaríamos, talvez, de um balanço da teoria literária, que depois de ter oferecido sua própria definição de literatura, como definição contestável - trata-se, na verdade, do primeiro lugar-comum teórico: "O que é a literatura?"
-, depois de ter prestado uma rápida homenagem às teorias literárias antigas, medievais e clássicas, desde Aristóteles até Batteux, sem esquecer uma passagem pelas poéticas não-ocidentais, arrolasse as diferentes escolas que compartilharam a atenção teórica
no século XX: formalismo russo, estruturalismo de Praga, New Criticism
americano, fenomenologia alemã, psicologia genebresa, marxismo internacional,
estruturalismo e pós-estruturalismo franceses, hermenêutica, psicanálise,
neomarxismo, feminismo etc. Inúmeros manuais são assim: ocupam os professores e tranquilizam os estudantes. Mas esclarecem um lado muito acessório da teoria. Ou até mesmo a deformam, pervertem-na; porque o que a caracteriza, na verdade, é justamente o contrário do ecletismo, é seu engajamento, sua vis polemica, assim como os impasses a que esta
última a leva sem que ela se dê conta. Os teóricos dão a impressão, muitas vezes, de fazer críticas muito sensatas contra as posições de seus adversários, mas visto que estes, confortados
por sua boa consciência de sempre, não renunciam e continuam a matraquear, os teóricos se põem também eles a falar alto, defendem suas próprias teses, ou antíteses, até o absurdo,
e, assim, anulam-se a si mesmos diante de seus rivais encantados de se verem justificados pela extravagância da posição adversária.
Basta deixar falar um teórico e contentar-se em interrompê-lo de vez em quando 16






com um "Ah! um pouco debochado, para vê-lo desmoronar diante de nossos olhos!
Quando entrei no sexto ano do pequeno liceu Condorcet, nosso velho professor de latim-francês, que era também prefeito de sua cidadezinha na Bretanha, perguntava-nos a cada texto de nossa antologia: "Como vocês compreendem essa passagem? O que o autor quis dizer? Onde está a beleza do verso ou da prosa? Em que a visão do autor é original? Que lição podemos tirar daí?" Acreditamos, durante um tempo, que a teoria literária tivesse banido para sempre essas questões lancinantes. Mas as respostas passam e as perguntas permanecem. Estas são mais ou menos as mesmas. Há algumas que não cessam de se repetir de geração em geração. Colocavam-se antes da teoria, já se colocavam antes da história literária, e se colocam
ainda depois da teoria, de maneira quase idêntica. A tal ponto que nos perguntamos se existe uma história da crítica literária, como existe uma história da filosofia ou da lingüística, pontuada de criações de conceitos, como o cogito ou o complemento. Na crítica, os paradigmas não morrem nunca, juntam-se uns aos outros, coexistem mais ou menos pacificamente e jogam indefinidamente com as mesmas noções - noções que pertencem à linguagem popular. Esse é um dos motivos, talvez o principal motivo, da sensação de repetição que se experimenta, inevitavelmente, diante de um quadro histórico da crítica literária: nada de novo sob o sol. Em teoria, passa-se o tempo tentando apagar termos de uso corrente: literatura, autor, intenção, sentido, interpretação, representação, conteúdo, fundo, valor, originalidade, história, influência, período, estilo etc. É o que se fez também, durante muito tempo, em lógica: recortava-se na linguagem cotidiana uma região lingüística dotada de verdade. Mas a lógica formalizou-se depois. A teoria literária não conseguiu desembaraçar-se da linguagem corrente sobre a literatura,
a dos ledores e a dos amadores. Assim, quando a teoria se afasta, as velhas noções ressurgem intocadas. É por serem "naturais" ou "sensatas" que nunca escapamos delas realmente? Ou, como pensa de Man, é porque só desejamos resistir à teoria, porque a teoria faz mal, contraria nossas ilusões sobre a língua e a subjetividade? Poderíamos dizer, hoje, que quase ninguém foi tocado pela teoria, o que talvez seja mais confortável. 17








Então, não restaria mais nada, ou apenas a pequena pedagogia que descrevi? Não inteiramente. Na fase áurea, por volta de 1970, a teoria era um contradiscurso que punha em questão as premissas da crítica tradicional. Objetividade, gosto e clareza, Barthes assim resumia, em Critique et Vérité [Crítica e Verdade], em 1966, ano mágico, os dogmas do "suposto crítico" universitário, o qual ele queria substituir por uma "ciência da literatura". Há teoria quando as premissas do discurso corrente sobre a literatura não são mais aceitas como evidentes, quando são questionadas, expostas como construções históricas, como convenções. Em seu começo, também a história literária se fundava numa teoria, em nome da qual eliminou do ensino literário a velha retórica, mas essa teoria perdeu-se ou edulcorou-se à medida que a história literária foi se identificando com a instituição escolar e universitária.
O apelo à teoria é, por definição, opositivo, até mesmo subversivo e insurrecto, mas a fatalidade da teoria é a de ser transformada em método pela instituição acadêmica, de ser recuperada, como dizíamos. Vinte anos depois, o que surpreende, talvez mais que o conflito violento entre a história e a teoria literária, é a semelhança das perguntas levantadas por uma e por outra nos seus primórdios entusiastas, sobretudo esta, sempre a mesma: "O que é a literatura?"

Permanência das perguntas, contradição e fragilidade das respostas: daí resulta que é sempre pertinente partir das noções populares que a teoria quis anular, as mesmas que voltaram quando a teoria se enfraqueceu, a fim de não só rever as respostas opositivas que ela propôs, mas também tentar compreender por que essas respostas não resolveram de uma vez por todas as velhas perguntas. Talvez porque a teoria, à custa de sua luta contra a Hidra de Lema, tenha levado seus argumentos longe demais e eles tenham se voltado contra ela? A cada ano, diante
de novos estudantes, é preciso recomeçar com as mesmas figuras de bom senso e clichês irreprimíveis, com o mesmo pequeno número de enigmas ou de lugares-comuns que balizam o discurso corrente sobre a literatura.
Examinarei alguns, os mais resistentes, porque é em tomo deles que se pode construir uma apresentação simpática da teoria literária com todo o vigor de sua justa cólera, da mesma maneira que ela os combateu - em vão. 18










TEORIA E PRÁTICA DA LITERATURA

Algumas distinções preliminares são indispensáveis.
Primeiramente, quem diz teoria - e sem que seja preciso ser marxista - pressupõe uma prática, ou uma práxis, diante da qual a teoria se coloca, ou da qual ela elabora uma teoria. Nas ruas de Gênova, algumas salas trazem este letreiro: "Sala de teoria." Não se faz aí teoria
da literatura, mas ensina-se o código de trânsito: a teoria é, pois, o código oposto à direção de veículos, é o código da direção. Qual é portanto a direção, ou a prática, que a teoria da literatura codifica, isto é, organiza mais do que regulamenta? Não é, parece, a própria literatura (ou a atividade literária) - a teoria da literatura não ensina a escrever romances como a retórica outrora ensinava a falar em público e instruía na eloqüência, mas são os estudos literários, isto é, a história literária e a crítica literária, ou ainda a pesquisa literária.

No sentido de código, didática, ou melhor, deontologia da própria pesquisa literária, a teoria da literatura pode parecer uma disciplina nova, em todo caso ulterior ao nascimento da pesquisa literária no século XIX, quando da reforma das universidades européias, e posteriormente das americanas, segundo o modelo germânico. Mas se a palavra é relativamente nova, a coisa, em si mesma, é relativamente antiga.

Pode-se dizer que Platào e Aristóteles faziam teoria da literatura quando classificavam os gêneros literários na República e na Poética, e o modelo de teoria da literatura ainda é, hoje,
para nós, a Poética de Aristóteles. Platão e Aristóteles faziam teoria porque se interessavam pelas categorias gerais, ou mesmo universais, pelas constantes literárias contidas nas obras particulares, como por exemplo, os gêneros, as formas, os modos, as figuras. Se eles se ocupavam de obras individuais (a llíada, o Édipo Rei), era como ilustrações de categorias gerais. Fazer teoria da literatura era interessar-se pela literatura em geral, de um ponto de vista que almejava o universal.

Mas Platão e Aristóteles não faziam teoria da literatura, pois a prática que queriam codificar não era o estudo literário, ou a pesquisa literária, mas a literatura em si mesma. Procuravam formular gramáticas prescritivas da literatura, tão normativas que Platão queria excluir os poetas da Cidade [1]. Atualmente, embora 19










trate da retórica e da poética, e revalorize sua tradição antiga e clássica, a teoria da literatura não é, em princípio, normativa.
Descritiva, a teoria da literatura é, pois, moderna: supõe a existência de estudos literários, instaurados no século XIX, a partir do romantismo. Tem uma relação com a filosofia da literatura como ramo da estética que reflete sobre a natureza e a função da arte a definição de belo e de valor. Mas a teoria da literatura não é filosofia da literatura, não é especulativa
nem abstrata, mas analítica ou tópica: seu objeto são o/os discursos sobre a literatura, a crítica e a história literárias, que ela questiona, problematiza, e cujas práticas organiza. A teoria da literatura não é a polícia das letras, mas de certa forma sua epistemologia.

Nem nesse sentido é verdadeiramente nova. Lanson, o fundador da história literária francesa, na virada do século XIX para o XX, já dizia de Ernest Renan e de Émile Faguet, os críticos literários que o precederam - embora Faguet fosse seu contemporâneo na Sorbonne, Lanson o julgava ultrapassado -, que não tinham "teoria literária".5
Era uma maneira polida de lhes dizer que, a seus olhos, eram impressionistas e impostores, não sabiam o que faziam, faltava-lhes rigor, espírito científico, método. Quanto a Lanson, este pretendia ter uma teoria, o que mostra que história literária e teoria não são incompatíveis.

O apelo à teoria responde necessariamente a uma intenção polêmica, ou opositiva (crítica, no sentido etimológico do termo): a teoria contradiz, põe em dúvida a prática de outros. É útil acrescentar aqui um terceiro termo à teoria e à prática, conforme o uso marxista, mas não apenas marxista, dessas noções: o termo ideologia. Entre a prática e a teoria, estaria instalada a ideologia. Uma teoria diria a verdade de uma prática, enunciaria suas condições de possibilidade, enquanto a ideologia não faria senão legitimar essa prática com uma mentira, dissimularia suas condições de possibilidade. Segundo Lanson, aliás bem recebido pelos marxistas, seus rivais não tinham teoria, senão ideologias, isto é, idéias preconcebidas.

Assim, a teoria reage às práticas que julga ateóricas ou antiteóricas. Agindo assim, ela as institui como bodes expiatórios. Lanson, que pensava possuir, com a filologia e o positivismo histórico, uma teoria sólida, entregava-se ao humanismo tradicional de seus adversários (homens de cultura ou de bom 20








gosto, burgueses). A teoria se opõe ao senso comum. Mais recentemente, depois de uma volta da espiral, a teoria da literatura levantou-se ao mesmo tempo contra o positivismo na história literária (representado por Lanson) e contra a simpatia na crítica literária ( que havia sido representada por Faguet), assim como se levantou contra a associação freqüente dos dois (primeiro o positivismo na história do texto, depois o humanismo na interpretação), como ocorre nos austeros filólogos que, depois de um estudo minucioso das fontes do romance de
Prévost, passam sem problemas a julgamentos íntimos sobre a realidade psicológica e sobre a verdade humana de Manon, como se ela estivesse a nosso lado, uma jovem de carne e osso.

Resumamos: a teoria contrasta com a prática dos estudos literários, isto é, a crítica e a história literárias, e analisa essa prática, ou melhor, essas práticas, descreve-as, torna explícitos seus pressupostos, enfim critica-os (criticar é separar, discriminar).
A teoria seria, pois, numa primeira abordagem, a crítica da crítica, ou a metacrítica (colocam-se em oposição uma linguagem e a metalinguagem que fala dessa linguagem; uma linguagem e a gramática que descreve seu funcionamento). Trata-se de uma consciência crítica
(uma crítica da ideologia literária), uma reflexão literária (uma dobra crítica, uma self-consciousness, ou uma auto-referencialidade), traços esses que se referem, na realidade, à modernidade, desde Baudelaire e, sobretudo, desde Mallarmé.

Apresentemos logo o exemplo: empreguei uma série de termos que convém definir em si mesmos, ou elaborar melhor, para tirar deles conceitos mais consistentes, para alcançar essa consciência crítica que acompanha a teoria: literatura, depois crítica literária e história literária,
cuja distinção é enunciada pela teoria. Deixemos a literatura para o próximo capítulo e examinemos mais de perto os dois outros termos.

TEORIA, CRÍTICA, HISTÓRIA [2]

Por crítica literária compreendo um discurso sobre as obras literárias
que acentua a experiência da leitura, que descreve, interpreta, avalia
o sentido e o efeito que as obras exercem 21








sobre os (bons) leitores, mas sobre leitores não necessariamente cultos nem profissionais. A crítica aprecia, julga; procede por simpatia (ou antipatia), por identificação ou projeção: seu lugar ideal é o salão, do qual a imprensa é uma metamorfose, não a universidade; sua primeira forma é a conversação.

Por história literária compreendo, em compensação, um discurso que insiste nos fatores exteriores à experiência da leitura, por exemplo, na concepção ou na transmissão das obras, ou em outros elementos que em geral não interessam ao não-especialista.
A história literária é a disciplina acadêmica que surgiu ao longo do século XIX, mais conhecida, aliás, com o nome de filologia, scholarship, Wissenschaft, ou pesquisa.

Às vezes opõem-se crítica e história literárias como um procedimento intrínseco e um procedimento extrínseco: a crítica lida com o texto, a história com o contexto. Lanson
observava que se faz história literária a partir do momento em que se lê o nome do autor na capa do livro, em que se dá ao texto um mínimo de contexto. A crítica literária enuncia proposições do tipo "A é mais belo que B", enquanto a história literária afirma: "C deriva de D." Aquela visa a avaliar o texto, esta a explicá-lo.

A teoria da literatura pede que os pressupostos dessas afirmações sejam explicitados. O que você chama de literatura? Quais são seus critérios de valor?, perguntará ela aos críticos, pois
tudo vai bem entre leitores que compartilham das mesmas normas e que se entendem
por meias palavras, mas, se não é o caso, a crítica (a conversação) transforma-se logo em diálogo de surdos. Não se trata de reconciliar abordagens diferentes, mas de compreender por que elas
são diferentes.

O que você chama de literatura? Que peso você atribui a suas propriedades especiais ou a seu valor especial?, perguntará a teoria aos historiadores.
Uma vez reconhecido que os textos literários possuem traços distintivos, você os trata como documentos históricos, procurando neles suas causas factuais: vida do autor, quadro social e cultural, intenções atestadas, fontes. O paradoxo salta aos olhos: você explica pelo contexto
um objeto que lhe interessa precisamente porque escapa a esse contexto e sobrevive a ele.

A teoria protesta sempre contra o implícito: incômoda, ela é o protervus (o protestante) da velha escolástica. Ela pede 22













contas, não adota a opinião de Proust em Le Temps Retrouvé [O Tempo Redescoberto], pelo menos naquilo que diz respeito aos estudos literários: "Uma obra onde há teoria é como um objeto no qual se deixa a marca do preço."6 A teoria quer saber o preço. Não tem nada de abstrato, faz perguntas, aquelas perguntas sobre textos particulares com os quais historiadores e críticos se deparam sem cessar, mas cujas respostas são dadas de antemão. A teoria lembra que essas perguntas são problemáticas, que podem ser respondidas de diversas maneiras:
ela é relativista.



TEORIA OU TEORIAS


Empreguei, até aqui, a palavra teoria no singular, como se só houvesse uma teoria. Ora, todo mundo já ouviu falar que há teorias literárias, a teoria do senhor fulano de tal, a teoria da senhora fulana de tal. Então, a teoria ou as teorias seriam um pouco como doutrinas ou dogmas críticos, ou ideologias. Há tantas teorias quanto teóricos, como nos domínios em que a experimentação é pouco praticável. A teoria não é como a álgebra ou a geometria: o professor de teoria ensina sua teoria, o que lhe permite, como a Lanson, pretender que os outros não têm nenhuma. Perguntar-me-ão: qual é a sua teoria? Responderei: nenhuma. E é isto que dá medo: gostariam de saber qual é a minha doutrina, a fé que é preciso abraçar ao longo deste livro. Estejam tranqüilos, ou ainda mais preocupados. Eu não tenho fé - o protervus é sem fé e sem lei, é o eterno advogado do diabo, ou o diabo em pessoa: Forse tu non pensa vi ch 'io
loico fossi! Como Dante lhe faz dizer, "Talvez não pensasses que eu fosse um lógico" ("Inferno", canto XXVII, v.122-123) -, nenhuma doutrina, senão a da dúvida hiperbólica diante
de todo discurso sobre a literatura. À teoria da literatura, vejo-a como uma atitude analítica e de aporias, uma aprendizagem cética (crítica), um ponto de vista meta crítico visando interrogar, questionar os pressupostos de todas as práticas críticas (em sentido amplo), um "Que
sei eu?" perpétuo.

Evidentemente, há teorias particulares, opostas, divergentes, conflitantes - o campo, afirmei, é polêmico -, mas não vamos aderir a esta ou àquela teoria; vamos refletir de maneira analítica e cética sobre a literatura, sobre o estudo 23









literário, ou seja, sobre todo discurso - crítico, histórico, teórico - a respeito da literatura. Tentaremos ser menos ingênuos.
A teoria da literatura é uma aprendizagem da não ingenuidade. "Em matéria de crítica literária", escrevia Julien Gracq, "todas as palavras que conduzem a categorias são armadilhas".7




TEORIA DA LITERATURA OU TEORIA LITERÁRIA






Uma outra pequena distinção preliminar. Falei, nos últimos parágrafos, de teoria da literatura, não de teoria literária. Seria pertinente essa distinção? Segundo, por exemplo, o modelo
da história da literatura e da história literária (a síntese versus a análise, o quadro da literatura em oposição à disciplina filológica, como o manual de Lanson, Histoire de Ia Littérature
Française [História da Literatura Francesa], de 1895, frente à Revue d'Histoire Littéraire de Ia France, fundada em 1894). A teoria da literatura, como no manual de Wellek e Warren que traz o título em inglês, Theory of Literature [Teoria da Literatura] (1949), é geralmente
considerada um ramo da literatura geral e comparada: designa a reflexão sobre as condições da literatura, da crítica literária e da história literária; é a crítica da crítica, ou a metacrítica.

A teoria literária é mais opositiva e se apresenta mais como uma crítica da ideologia, compreendendo aí a crítica da teoria da literatura: é ela que afirma que temos sempre uma teoria e que, se pensamos não tê-Ia, é porque dependemos da teoria dominante num dado lugar e num dado momento. A teoria literária se identifica também com formalismo, desde os forma listas russos do início do século XX, marcados, na verdade, pelo marxismo. Como lembrava de Man, a teoria literária passa a existir quando a abordagem dos textos literários não é mais fundada em considerações não lingüísticas, considerações, por exemplo, históricas ou estéticas;
quando o objeto de discussão não é mais o sentido ou o valor, mas modalidades de produção de sentido ou de valor.8 Essas duas descrições da teoria literária (crítica da ideologia, análise lingüística) se fortalecem mutuamente, pois a crítica da ideologia é uma denúncia da ilusão
lingüística (da idéia de que a língua e a literatura são evidentes em si mesmas): a teoria literária expõe o código e a convenção ali onde a teoria postulava a natureza. 24






  • Infelizmente, essa distinção (teoria da literatura versus teoria literária), clara em inglês, por exemplo, foi obliterada em francês: o livro de Wellek e Warren, Theory of Literature, foi traduzido - tardiamente, como dissemos - com o título La Théorie L ittéra ire, em 1971, enquanto a antologia dos formalistas russos, de Tzvetan Todorov, foi publicada, alguns anos antes, pelo mesmo editor, com o título Théorie de ta Littérature (1966). É preciso examinar esse quiasmo para melhor nos situarmos.

    Como já se terá compreendido, utilizo-me das duas tradições. Da teoria da literatura: a reflexão sobre as noções gerais, os princípios, os critérios; da teoria literária: a crítica ao bom senso literário e a referência ao formalismo. Não se trata, pois, de fornecer receitas. A teoria não é o método, a técnica, o mexerico. Ao contrário, o objetivo é tornar-se desconfiado de todas as receitas, de desfazer-se delas pela reflexão.
    Minha intenção não é, portanto, em absoluto, facilitar as coisas, mas ser vigilante, suspeitoso, cético, em poucas palavras: crítico ou irônico. A teoria é uma escola de ironia.

    A LITERATURA REDUZIDA A SEUS ELEMENTOS

    Sobre que noções exercer, aguçar nosso espírito crítico? A relação entre a teoria e o senso comum é naturalmente conflituosa. É, pois, o discurso corrente sobre a literatura,
    designando os alvos da teoria, que permite colocar melhor a teoria àprova.
    Ora, todo discurso sobre a literatura, todo estudo literário está sujeito, na sua base, a algumas grandes questões, isto é, a um exame de seus pressupostos relativamente a um pequeno número de noções fundamentais. Todo discurso sobre a literatura assume posição
    - implicitamente o mais das vezes, mas algumas vezes explicitamente - em relação
    a estas perguntas, cujo conjunto define uma certa idéia de literatura:

  • O que é literatura?
  • Qual é a relação entre literatura e autor?
  • Qual é a relação entre literatura e realidade?
  • Qual é a relação entre literatura e leitor?
  • Qual é a relação entre literatura e linguagem?

    Quando falo de um livro, construo forçosamente hipóteses sobre
    essas definições. Cinco elementos são indispensáveis 25




para que haja literatura: um autor, um livro, um leitor, uma língua e um referente.

A isso acrescentaria duas questões que não se situam exatamente no mesmo nível e que dizem respeito, precisamente, à história e à crítica: que hipóteses levantamos sobre a transformação,
o movimento, a evolução literária, e sobre o valor, a originalidade, a pertinência literária? Ou ainda: como compreendemos a tradição literária, tanto no seu aspecto dinâmico (a história) quanto no seu aspecto estático (o valor)?

Essas sete questões encabeçam cada capítulo do meu livro - a literatura, o autor, o mundo, o leitor, o estilo, a história e o valor -, aos quais dei títulos inspirados no senso comum, pois é
o eterno combate entre a teoria e o senso comum que dá à teoria seu sentido. Quem abre um livro tem essas noções em mente. Reformulados um pouco mais teoricamente, os quatro primeiros títulos poderiam ser os seguintes: literariedade, intenção, representação,
recepção. Em relação aos três últimos - estilo, história, valor -, parece que não há motivo para
distinguir a fala dos amadores da dos profissionais: uns e outros recorrem às
mesmas palavras.

Para cada pergunta, gostaria de mostrar a variedade de respostas possíveis, não tanto o conjunto daquelas que foram dadas na história, mas das que se fazem hoje: o projeto não é o de uma história da crítica, nem o de um quadro das doutrinas literárias. A teoria da literatura é uma lição de relativismo, não de pluralismo: em outras palavras, várias respostas são possíveis,
não compossíveis; aceitáveis, não compatíveis; ao invés de se somarem numa visão total e mais completa, elas se excluem mutuamente, porque não chamam de literatura, não qualificam
como literária a mesma coisa; não visam a diferentes aspectos do mesmo objeto, mas a diferentes objetos. Antigo ou moderno, sincrônico ou diacrônico, intrínseco ou extrínseco: não é
possível tudo ao mesmo tempo. Na pesquisa literária, "mais é menos", motivo pelo qual devemos escolher. Além disso, se amo a literatura, minha escolha já foi feita. Minhas decisões
literárias dependem de normas extraliterárias - éticas, existenciais -, que regem outros aspectos da minha vida.

Por outro lado, essas sete questões sobre a literatura não são independentes. Formam um sistema. Em outras palavras, a resposta que dou a uma delas restringe as opções que se abrem para responder às outras: por exemplo, se acentuo o 26









papel do autor, é possível que não dê tanta importância à língua; se insisto na literariedade, minimizo o papel do leitor; se destaco a determinação da história, diminuo a contribuição
do gênio etc. Esse conjunto de escolhas é solidário. É por isso que qualquer questão permite uma entrada satisfatória no sistema, e sugere todas as outras. Uma única, a intenção, por exemplo, talvez seja suficiente, para tratar de todas elas.

É por isso também que a ordem de análise dessas questões é, no fundo, indiferente: poder-se-ia tirar uma carta ao acaso e seguir a pista. Escolhi percorrê-Ias fundamentando-me numa hierarquia que corresponde, também ela, ao senso comum, o qual, em relação à literatura, pensa mais no autor do que no leitor, na matéria mais do que na maneira.

Todos os lugares da teoria serão assim, visitados, salvo, talvez, o gênero (trataremos dessa questão brevemente, quando falarmos da recepção), porque o gênero não foi uma causa célebre da teoria literária dos anos sessenta. O gênero é uma generalidade, a mediação mais evidente entre a obra individual e a literatura. Ora, por um lado, a teoria desconfia das evidências, por outro, visa aos universais.

Essa lista tem qualquer coisa de provocação, visto que nela constam, simplesmente, as ovelhas negras da teoria literária, moinhos de vento contra os quais ela se esfalfou para forjar conceitos salutares. Que não se veja aí, entretanto, nenhuma malícia! Inventariar os inimigos da teoria parece-me o melhor, o único meio, em todo o caso o mais econômico, de examiná-los com confiança, de traçar seus passos, testemunhar sua energia, torná-Ia viva, assim como ainda éindispensável, depois de mais de um século, descrever a arte moderna através das convenções que a negaram.

Enfim, talvez sejamos levados a concluir que o "campo literário", apesar das diferenças de posição e de opinião, às vezes exacerbadas, para além das querelas intermináveis que o
animam, repouse sobre um conjunto de pressupostos e de crenças partilhados
por todos. Pierre Bourdieu julgava que
“as posições assumidas com relação à arte e à literatura L..] organizam-se em pares de oposições, muitas vezes herdados de um passado polêmico e concebidos como antinomias
intransponíveis, alternativas absolutas, em termos de tudo ou nada, que estruturam o pensamento, mas também o aprisionam numa série de falsos dilemas.9 ” 27







Trata-se de arrombar essas falsas janelas, essas contradições traiçoeiras, esses paradoxos fatais que dilaceram o estudo literário; trata-se de resistir à alternativa autoritária entre a teoria
e o senso comum, entre tudo ou nada, porque a verdade está sempre no entrelugar.



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[1] Ás vezes o escritor coloca algumas cerejas no meio do bolo, ou acorda o leitor no meio do texto com uma provocação, tal como faz aqui Compagnon.. Qualquer leitor menos atento desperta ao ler que um sábio como Platão queria excluir os poetas da República. Segundo Compagnon porque ele estava buscando "gramáticas prescritivas da literatura, normativas. Força de uma expressão desnecessária, exceto para alimentar a ira indignada do leitor, que bem pode saciado ir à procura de novas cerejas.

Talvez Compagnon esteja se referindo à : Republica, Livro X - 607a. "Quando encontrares adoradores de Homero, dizendo que este poeta foi o educador da Grécia, e que é digno de se tomar por modelo na educação,..deves concordar com eles que Homero é o maior dos poetas. Mas devemos reconhecer que, quanto à poesia, somente se devem receber na cidade hinos aos deuses... Se, porém acolheres a Musa aprazível na lírica ou na epopéia, governarão a cidade o prazer e a dor, em lugar da lei e do princípio, que a comunidade considere, em todas as circustâncias, o melhor. ......É a razão que obriga-nos a excluir uma arte desta espécie. Para não nos acusarmos de rude, observamos que é antiga a diferença entre filosofia e poesia....."

De fato Platão ao excluir Homero como fonte de ensino, estava condenando o senso comum, e talvez neste sentido fazendo uma teoria da educação - veja a Educação na República. . Antes a educação baseiava-se tão somente na decoração dos versos de Homero, fora as artes da guerra. Platão propõe usar a harmonia, o ritmo, as narrativas, a geometria e a filosofia para a educação dos bons cidadãos. Não estava abandonando o belo, tanto é que a música, sua harmonia e ritmo eram essencial para que os jovens aprendessem a cultivar e reconhecer a verdade e a sabedoria. . Veja uma discussão detalhada de Ian Johnston a respeito da "poesis" em Platão.

Aristósteles aluno, porém não discípulo, de Platão não é uma continuidade, é um corte no conhecimento, na forma, no estilo, uma verdadeira revolução. São dois autores completamente diferentes, opostos - Joyce disseca seus estilos no Episódio 9 de Ulysses na biblioteca, e fecha com Aristóteles.

Que Aristóteles estava fazendo teoria da literatura, ou coisa parecida, em sua Poética, classificando os gêneros e as funções não se discute. De fato ele necessitava de normatizar uma gramática, até então consolidada na tradição, em grande parte oral.

Porém a rusga com Platão e os Poetas (e não com a poesia, o belo), é de outra natureza. É uma ação política, difícil de entender nos dias de hoje depois de Dante. Na República Platão analisa o poeta Homero, e o trágico Eurípedes em dois livros. No livro III, pode-se afirmar que Platão foi o primeiro crítico literário que deixou alguma coisa escrito. Trechos da Odisséia e da Ilíada são ali analisados com a precisão dos críticos modernos.

Decorar faz um mal irreparável ao raciocínio, que o digam os fundamentalistas. Os grandes escritores judeus só produziram obras primas - para citar poucos: Spinoza, Heine, Canetti, Marx quando deixaram de recitar o Torá. Sacrificaram por nós, os gentios, abandonando a rota do paraíso e entregando-nos o ouro da reflexão, tal como Prometeu - amigo dos homens, Spinoza foi acorrentado às portas da sinagoga




[2] Uma ilustração de Teoria da Literatura (um pouco borrada), Crítica e História Literária.









4 comentários:

Antonio Brito from Brazil disse...

de adail..,

Para não entrar nos detalhes de cada teoria, proponho um salto, e
tento resumir, pedindo a todos que supram as lacunas: eu diria que Compagnon
fala, como seria de esperar, de dois tipos de teoria: as que acentuam o
formal, do objeto estético como artefato desvinculado do mundo, e que acaba
por endeusar um autor todo-poderoso (da estilística clássica), e as que
acentuam o prático, o autor empírico e sua "situação" no mundo (explicação
de textos não é isso?), donde a importância da retórica, e aí teríamos um
autor já no âmbito de um auditório ao qual persuadir.
A França conheceu o formalismo, sem teorizar diretamente, via Propp,
que chegou lá com imigrantes como Greimas (ainda da semântica estrutural) e
com Lévi-Strauss (do mito como uma matriz que é sempre reinterpretada nos
mesmos termos) e que deu origem à profusão de teorias de que ele fala, claro
que passando por Hjelmslev (via Barthes). E conheceu os estudos "empíricos"
por meio da retórica, da explicação de textos, etc. Deu preferência aos
estudos formais, com exceções que hoje vão bem obrigado, ao menos em alguns
setores da análise do discurso. Em suma, a maioria das teorias que ele cita
estão entre esses extremos, com todas as variedades possíveis (Barthes,
Genette (é assim?), a teoria da narrativa etc. Ela passa ao largo ao dizer
de Todorov que passou para a ética e a estética. E por quê? Porque não
reconhece a importância de Bakhtin e cia. no trabalho de Todorov, que a meu
ver superou a teoria da narrativa com sucesso. (Mas essa briga é minha.)
Hoje, esse turbilhão, segundo ele, acabou, e a vivacidade foi junto.
Da vanguarda não resta coisa alguma, e a virulência virou disciplina
escolar.
Acho que isso resume em rápidas piceladas a questão.
E onde se situa ele?
1. Ele pensa, contra isso, que " A teoria não pode se reduzir a uma
técnica nem a uma pedagogia" e que não é "uma metafísica nem uma mística."
2. E propõe a tensão permanente, a oposição,a discussão, como o
terreno fértil para a teoria.
3. Se permanecem as perguntas mas passaram as respostas, vale a pena,
ao ver dele, insistir em retomar a questão.

Se um texto em inglês ajudar, eis uma resenha:


THE EXCESSES OF LITERARY THEORY

Download
about:
Le démon de la théorie.
Littérature et sens commun.

Translated title: The Demon of Theory.
Literature and common sense.

by Antoine COMPAGNON

Éditions du Seuil, 1998 (Paris).


How should one approach a literary text? Should one, for
example, look for information about the author or the historical and
cultural context in which the text was written? Which is more important,
the style or the content? Is there such a thing as an objective reading, or
does everything depend on the reader's subjectivity? To these questions,
among others, Literary Theory claimed to offer innovative answers. This
discipline, which reached a peak in France in the sixties, notably with
Roland BARTHES (1915-1980), was at the vanguard of literary studies in the
world and its ambition was to found a science of literature. Animated by a
real fighting spirit, Literary Theory aimed to stir up academic studies and
put literature back at the centre of social preoccupations. It continually
denounced a certain number of generally accepted ideas: it was no longer
possible, for example, to believe that the author's intention determined the
signification of a text, that literature spoke about the world or that its
essence was style... It was necessary to put an end to these false "facts"
that were too easily accepted by common sense.
More than twenty years later, one is obliged to admit that
literary theory has not achieved its aim. It seems that common sense,
however much disparaged, has resisted all attacks: the author's intentions
still arouse our interest, we still feel that literature refers to the world
and we are still sensitive to its style... It is therefore time to assess
the situation. By tackling, in this book, seven notions at the heart of
these literary controversies -- literarity, the author, the world, the
reader, style, history and value -- and trying to trace their genealogy,
Antoine COMPAGNON offers such an assessment. He thus shows that the failure
of literary theory arises from its habit of pushing to the point of
absurdity criticisms which could otherwise be justified. So, rather than
letting himself be trapped into radical oppositions, Antoine Compagnon opts
for an intermediate position, between Literary Theory and the (previous)
academic approach.
Three examples -- the author, the world and style -- in which
the opposition between the two approaches is clear-cut, will permit us to
understand the ins and outs of this controversy.

The author. To understand the meaning of a text, common sense
charges us to determine the author's intention (what the author meant to
say). Thus we turn to aspects of his/her biography for traces of this
intention. Literary Theory denies the relevance of such an investigation in
describing the meaning of a text. In fact the intentions of the person who
composed a text never fully account for its signification. Better still,
the signification escapes him/her when the text, detached from its era and
its cultural milieu, acquires meanings the author had not foreseen. The
literary text must therefore be seen as autonomous, and not as the
expression of the author's intention.
Antoine Compagnon recognises the discrepancy between what an
author meant to say and what his text signifies (one never says exactly what
one means to say). Still, in his opinion it is not so easy to get rid of
the notion of intention. For example, when we are confronted with
difficulties due to the obscurity or the ambiguity of a text, it is hard to
avoid looking for a parallel passage by the same author in order to clarify
the meaning of the text in question. This presupposes that the different
passages have in common a certain coherence (the same spirit, the same
tone), and coherence implies intention. Thus, a coherent advocate of
literary theory, convinced by the idea that a text must be studied without
reference to intention, should avoid comparing different passages. Yet
everyone does it... And in fact, presuming that no intention is behind the
composition of a text would mean considering it to be the result of a random
process such as a monkey, typing on a computer keyboard, might produce.
The error of literary theory seems to have been in confusing
the sense of a text and its signification. The sense is what remains stable
in the reception of a text. The signification indicates what changes. The
sense is original and singular. The signification is the result of the link
we establish between the sense and our own experience (historical, cultural,
individual): it is plural, variable and open. Thus, when literary theory
denied the objectivity of the text by announcing that its signification
varied according to the era and the milieu, it was forgetting that the sense
remained true to itself. Otherwise, how could it have been possible to
speak of the misinterpretation of a text? A work may be inexhaustible, and
each era may understand it in its own way, but that does not necessarily
mean that it doesn't have an original sense. What is inexhaustible is its
signification. Thus the distinction between sense and signification makes
it possible to account for different readings of a text without eliminating
the author's intentions as a criterion of interpretation.
This does not mean that the author's intention is premeditated
in a completely conscious way. Intention is global: it does not imply a
consciousness of all the details of the writing process. Just as, when one
walks, there is intention to walk although the movement of each muscle is
not consciously premeditated, so intention cannot be reduced to what an
author set out to write. The signification does not lie in the explicit
project. The latter is only a clue to it. The author and his/her biography
do not explain the work. But the presumption of intention nevertheless
remains at the basis of any interpretation.

The world. In opposition to the idea that literature refers
to the world (as in Aristotle's mimesis), literary theory defended the idea
of its autonomy in relation to reality. Literature was no longer supposed
to represent anything, it only spoke about itself, it had become
self-referential: there was no longer any need to look for the models of
Proust's Duchesse de Guermantes. So one no longer read to discover the
reality of things, but for the references literature made to itself. This
conception was inspired by Saussure's theory that the signification of
linguistic signs was differential (resulted from their reciprocal
relationships), not referential (signs do not refer to things). Applied to
literature, this made any reference to reality, any semantics, secondary to
syntax and narrative structure. One therefore studied how what seemed to
refer to reality was in fact governed by literary codes, being nothing more
than "effets de réel" which gave the illusion of giving access to reality.
For example, according to literary theory, a detail (often an object)
mentioned in a description but not important for the story, was a
conventional and arbitrary sign which simply indicated to the reader that
the description in question was realistic: the detail (the described
object) did not denote a real object, but rather had a connotation of
realism, an "effet de réel". The denunciation of oppression being in the
spirit of the times, literary theory even affirmed that this connotation
conveyed a repressive bourgeois ideology.
Antoine Compagnon grants that a signifier does not directly
and transparently give access to a referent, that a novel does not recount
reality as it is. But this does not mean, he affirms, that language is not
referential, or that literature never describes the world. And, in fact,
how can literary theory simultaneously deny that language has any
referential relation to reality and use this same language to give a ruling
on its real properties? To do that it would have to recognise that it is
possible to use language to refer to something that really exists, such as
language or literature themselves. The paradox is therefore that the
referential function of language must be used in order to deny its own
existence!
The error of literary theory was to have slipped from the idea
of the arbitrariness of the sign to the arbitrariness of language. It
concluded from this that language was a system independent from reality
which, with its structure and words, carved up the latter in an arbitrary
way and thus constituted a vision of the world of which its speakers
remained the prisoners. However it is not, for example, because different
languages describe the colours of the rainbow differently that they do not
describe the same rainbow. It is, in any case, by using language that one
can observe that those who speak another language describe reality in a
different way. For that, it must be possible to agree on the objects being
described; language must speak about reality. One cannot, therefore,
conclude that because literature speaks about literature, it does not also
speak about the world.

Style. Another subject of discord: the notion of style.
After having eliminated intention and representation, Literary Theory
announced the death of stylistics. The science of language had to go beyond
style, a "pre-theoretical" concept. The idea of style relied on the
possibility of synonymy, which allowed one to say the same thing in
different ways, that is in different styles. This was the concept of a
duality between content and form, between substance and expression, or
between the matter and the manner, binary oppositions which relied on the
dualism of thought and language. Literary Theory judged all these
polarities to be obsolete. The presupposition at the basis of stylistics
relied on a vicious circle: to isolate the content (the substance) it was
necessary to analyse the expression (the form), but to analyse the
expression it was necessary to have already determined the content. It
wasn't possible to interpret the matter without describing the manner, or to
describe the manner without interpreting of the matter. A stylistic
description must therefore be seen as being, at the same time, a semantic
interpretation: to analyse the style of a poem is to determine its meaning.
Literary Theory therefore considered that to speak in a different way was to
say something different, that two expressions never meant exactly the same
thing. Synonymy was thus an illusion and stylistics should be abandoned.
One must nevertheless admit that style is still discussed and
that this notion must correspond to something since it is possible to
imitate an author by his style. But how can one acknowledge style while
maintaining that to say something differently is to say something else? For
Antoine Compagnon, this is possible as long as one admits that it is too
demanding to require synonymy. For style to exist, all that is necessary is
that there be different ways of saying very similar things, without them
being perfectly identical. Thus one can say more or less the same thing in
very different styles. Abandoning strict synonymy does not, therefore,
abolish style. Once again, Antoine Compagnon chooses a compromise between
style as the essence of literature and style as an illusion.

To complete the presentation of this stimulating book, one
would have to discuss the debates on what makes a text a literary text, the
place of the reader, the relationship between literature and history, and
the value of literary texts. Presenting in detail the polemics which each
of these questions have inspired, Antoine Compagnon shows that any
excessively systematic conception of literature cannot escape contradiction.
The question which obsesses Literary Theory -- which is of course: what is
literature? -- thus remains unanswered. Which is why, as well as being a
clear presentation of the ins and outs of literary debates, this book is
also a fine lesson in the modesty required by theory...
Thomas LEPELTIER,
13th September 1998.
Translated by Jennifer YEE.
(http://assoc.wanadoo.fr/revue.de.livres/br/compagnon_eng.html )
Adail

Antonio Brito from Brazil disse...
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Antonio Brito from Brazil disse...

From: "Adail Sobral" Date: Sat Sep 4, 2004 12:57 pm
Subject: RES: [LITT] o que está queimando é a memória da humanidade.

# 13652


Para não entrar nos detalhes de cada teoria, proponho um salto, e
tento resumir, pedindo a todos que supram as lacunas: eu diria que Compagnon
fala, como seria de esperar, de dois tipos de teoria: as que acentuam o
formal, do objeto estético como artefato desvinculado do mundo, e que acaba
por endeusar um autor todo-poderoso (da estilística clássica), e as que
acentuam o prático, o autor empírico e sua "situação" no mundo (explicação
de textos não é isso?), donde a importância da retórica, e aí teríamos um
autor já no âmbito de um auditório ao qual persuadir.
A França conheceu o formalismo, sem teorizar diretamente, via Propp,
que chegou lá com imigrantes como Greimas (ainda da semântica estrutural) e
com Lévi-Strauss (do mito como uma matriz que é sempre reinterpretada nos
mesmos termos) e que deu origem à profusão de teorias de que ele fala, claro
que passando por Hjelmslev (via Barthes). E conheceu os estudos "empíricos"
por meio da retórica, da explicação de textos, etc. Deu preferência aos
estudos formais, com exceções que hoje vão bem obrigado, ao menos em alguns
setores da análise do discurso. Em suma, a maioria das teorias que ele cita
estão entre esses extremos, com todas as variedades possíveis (Barthes,
Genette (é assim?), a teoria da narrativa etc. Ela passa ao largo ao dizer
de Todorov que passou para a ética e a estética. E por quê? Porque não
reconhece a importância de Bakhtin e cia. no trabalho de Todorov, que a meu
ver superou a teoria da narrativa com sucesso. (Mas essa briga é minha.)
Hoje, esse turbilhão, segundo ele, acabou, e a vivacidade foi junto.
Da vanguarda não resta coisa alguma, e a virulência virou disciplina
escolar.
Acho que isso resume em rápidas piceladas a questão.
E onde se situa ele?
1. Ele pensa, contra isso, que " A teoria não pode se reduzir a uma
técnica nem a uma pedagogia" e que não é "uma metafísica nem uma mística."
2. E propõe a tensão permanente, a oposição,a discussão, como o
terreno fértil para a teoria.
3. Se permanecem as perguntas mas passaram as respostas, vale a pena,
ao ver dele, insistir em retomar a questão.

Se um texto em inglês ajudar, eis uma resenha:


THE EXCESSES OF LITERARY THEORY

Download
about:
Le démon de la théorie.
Littérature et sens commun.

Translated title: The Demon of Theory.
Literature and common sense.

by Antoine COMPAGNON

Éditions du Seuil, 1998 (Paris).


How should one approach a literary text? Should one, for
example, look for information about the author or the historical and
cultural context in which the text was written? Which is more important,
the style or the content? Is there such a thing as an objective reading, or
does everything depend on the reader's subjectivity? To these questions,
among others, Literary Theory claimed to offer innovative answers. This
discipline, which reached a peak in France in the sixties, notably with
Roland BARTHES (1915-1980), was at the vanguard of literary studies in the
world and its ambition was to found a science of literature. Animated by a
real fighting spirit, Literary Theory aimed to stir up academic studies and
put literature back at the centre of social preoccupations. It continually
denounced a certain number of generally accepted ideas: it was no longer
possible, for example, to believe that the author's intention determined the
signification of a text, that literature spoke about the world or that its
essence was style... It was necessary to put an end to these false "facts"
that were too easily accepted by common sense.
More than twenty years later, one is obliged to admit that
literary theory has not achieved its aim. It seems that common sense,
however much disparaged, has resisted all attacks: the author's intentions
still arouse our interest, we still feel that literature refers to the world
and we are still sensitive to its style... It is therefore time to assess
the situation. By tackling, in this book, seven notions at the heart of
these literary controversies -- literarity, the author, the world, the
reader, style, history and value -- and trying to trace their genealogy,
Antoine COMPAGNON offers such an assessment. He thus shows that the failure
of literary theory arises from its habit of pushing to the point of
absurdity criticisms which could otherwise be justified. So, rather than
letting himself be trapped into radical oppositions, Antoine Compagnon opts
for an intermediate position, between Literary Theory and the (previous)
academic approach.
Three examples -- the author, the world and style -- in which
the opposition between the two approaches is clear-cut, will permit us to
understand the ins and outs of this controversy.

The author. To understand the meaning of a text, common sense
charges us to determine the author's intention (what the author meant to
say). Thus we turn to aspects of his/her biography for traces of this
intention. Literary Theory denies the relevance of such an investigation in
describing the meaning of a text. In fact the intentions of the person who
composed a text never fully account for its signification. Better still,
the signification escapes him/her when the text, detached from its era and
its cultural milieu, acquires meanings the author had not foreseen. The
literary text must therefore be seen as autonomous, and not as the
expression of the author's intention.
Antoine Compagnon recognises the discrepancy between what an
author meant to say and what his text signifies (one never says exactly what
one means to say). Still, in his opinion it is not so easy to get rid of
the notion of intention. For example, when we are confronted with
difficulties due to the obscurity or the ambiguity of a text, it is hard to
avoid looking for a parallel passage by the same author in order to clarify
the meaning of the text in question. This presupposes that the different
passages have in common a certain coherence (the same spirit, the same
tone), and coherence implies intention. Thus, a coherent advocate of
literary theory, convinced by the idea that a text must be studied without
reference to intention, should avoid comparing different passages. Yet
everyone does it... And in fact, presuming that no intention is behind the
composition of a text would mean considering it to be the result of a random
process such as a monkey, typing on a computer keyboard, might produce.
The error of literary theory seems to have been in confusing
the sense of a text and its signification. The sense is what remains stable
in the reception of a text. The signification indicates what changes. The
sense is original and singular. The signification is the result of the link
we establish between the sense and our own experience (historical, cultural,
individual): it is plural, variable and open. Thus, when literary theory
denied the objectivity of the text by announcing that its signification
varied according to the era and the milieu, it was forgetting that the sense
remained true to itself. Otherwise, how could it have been possible to
speak of the misinterpretation of a text? A work may be inexhaustible, and
each era may understand it in its own way, but that does not necessarily
mean that it doesn't have an original sense. What is inexhaustible is its
signification. Thus the distinction between sense and signification makes
it possible to account for different readings of a text without eliminating
the author's intentions as a criterion of interpretation.
This does not mean that the author's intention is premeditated
in a completely conscious way. Intention is global: it does not imply a
consciousness of all the details of the writing process. Just as, when one
walks, there is intention to walk although the movement of each muscle is
not consciously premeditated, so intention cannot be reduced to what an
author set out to write. The signification does not lie in the explicit
project. The latter is only a clue to it. The author and his/her biography
do not explain the work. But the presumption of intention nevertheless
remains at the basis of any interpretation.

The world. In opposition to the idea that literature refers
to the world (as in Aristotle's mimesis), literary theory defended the idea
of its autonomy in relation to reality. Literature was no longer supposed
to represent anything, it only spoke about itself, it had become
self-referential: there was no longer any need to look for the models of
Proust's Duchesse de Guermantes. So one no longer read to discover the
reality of things, but for the references literature made to itself. This
conception was inspired by Saussure's theory that the signification of
linguistic signs was differential (resulted from their reciprocal
relationships), not referential (signs do not refer to things). Applied to
literature, this made any reference to reality, any semantics, secondary to
syntax and narrative structure. One therefore studied how what seemed to
refer to reality was in fact governed by literary codes, being nothing more
than "effets de réel" which gave the illusion of giving access to reality.
For example, according to literary theory, a detail (often an object)
mentioned in a description but not important for the story, was a
conventional and arbitrary sign which simply indicated to the reader that
the description in question was realistic: the detail (the described
object) did not denote a real object, but rather had a connotation of
realism, an "effet de réel". The denunciation of oppression being in the
spirit of the times, literary theory even affirmed that this connotation
conveyed a repressive bourgeois ideology.
Antoine Compagnon grants that a signifier does not directly
and transparently give access to a referent, that a novel does not recount
reality as it is. But this does not mean, he affirms, that language is not
referential, or that literature never describes the world. And, in fact,
how can literary theory simultaneously deny that language has any
referential relation to reality and use this same language to give a ruling
on its real properties? To do that it would have to recognise that it is
possible to use language to refer to something that really exists, such as
language or literature themselves. The paradox is therefore that the
referential function of language must be used in order to deny its own
existence!
The error of literary theory was to have slipped from the idea
of the arbitrariness of the sign to the arbitrariness of language. It
concluded from this that language was a system independent from reality
which, with its structure and words, carved up the latter in an arbitrary
way and thus constituted a vision of the world of which its speakers
remained the prisoners. However it is not, for example, because different
languages describe the colours of the rainbow differently that they do not
describe the same rainbow. It is, in any case, by using language that one
can observe that those who speak another language describe reality in a
different way. For that, it must be possible to agree on the objects being
described; language must speak about reality. One cannot, therefore,
conclude that because literature speaks about literature, it does not also
speak about the world.

Style. Another subject of discord: the notion of style.
After having eliminated intention and representation, Literary Theory
announced the death of stylistics. The science of language had to go beyond
style, a "pre-theoretical" concept. The idea of style relied on the
possibility of synonymy, which allowed one to say the same thing in
different ways, that is in different styles. This was the concept of a
duality between content and form, between substance and expression, or
between the matter and the manner, binary oppositions which relied on the
dualism of thought and language. Literary Theory judged all these
polarities to be obsolete. The presupposition at the basis of stylistics
relied on a vicious circle: to isolate the content (the substance) it was
necessary to analyse the expression (the form), but to analyse the
expression it was necessary to have already determined the content. It
wasn't possible to interpret the matter without describing the manner, or to
describe the manner without interpreting of the matter. A stylistic
description must therefore be seen as being, at the same time, a semantic
interpretation: to analyse the style of a poem is to determine its meaning.
Literary Theory therefore considered that to speak in a different way was to
say something different, that two expressions never meant exactly the same
thing. Synonymy was thus an illusion and stylistics should be abandoned.
One must nevertheless admit that style is still discussed and
that this notion must correspond to something since it is possible to
imitate an author by his style. But how can one acknowledge style while
maintaining that to say something differently is to say something else? For
Antoine Compagnon, this is possible as long as one admits that it is too
demanding to require synonymy. For style to exist, all that is necessary is
that there be different ways of saying very similar things, without them
being perfectly identical. Thus one can say more or less the same thing in
very different styles. Abandoning strict synonymy does not, therefore,
abolish style. Once again, Antoine Compagnon chooses a compromise between
style as the essence of literature and style as an illusion.

To complete the presentation of this stimulating book, one
would have to discuss the debates on what makes a text a literary text, the
place of the reader, the relationship between literature and history, and
the value of literary texts. Presenting in detail the polemics which each
of these questions have inspired, Antoine Compagnon shows that any
excessively systematic conception of literature cannot escape contradiction.
The question which obsesses Literary Theory -- which is of course: what is
literature? -- thus remains unanswered. Which is why, as well as being a
clear presentation of the ins and outs of literary debates, this book is
also a fine lesson in the modesty required by theory...
Thomas LEPELTIER,
13th September 1998.
Translated by Jennifer YEE.
(http://assoc.wanadoo.fr/revue.de.livres/br/compagnon_eng.html )
Adail

Antonio Brito from Brazil disse...

Date: Sun Sep 5, 2004 9:18 pm
Adail
OS EXCESSOS DA TEORIA LITERÁRIA

Resenha do livro : Antoine COMPAGNON. Le démon de la théorie. Littérature et
sens commun. Éditions du Seuil (La couleur des idées), 1998.
Autor : Thomas LEPELTIER
(13 de setembro de 1998)

Fonte : http://assoc.wanadoo.fr/revue.de.livres/cr/compagnon.html
Acessado: 05 de setembro de 2004.

(Tradução para fins didáticos de Adail Sobral – 05 de setembro de 2004)

Como se deve abordar um texto literário? Deve-se por exemplo procurar
informações sobre o autor ou o contexto histórico e cultural em que o texto
foi escrito? O que é mais importante, o estilo ou o conteúdo? Haverá uma
leitura objetiva, ou tudo depende da subjetividade do leitor? Para essas
perguntas, entre outras, a teoria literária reivindicou oferecer respostas
inovadoras. Essa disciplina, que alcançou seu auge na França nos anos 1960,
principalmente com Roland BARTHES (1915-1980), estava na vanguarda dos
estudos literários no mundo e sua ambição era fundar uma ciência da
literatura. Animada por um real espírito combativo, a teoria literária
pretendia revolucionar os estudos acadêmicos e devolver a literatura ao
centro das preocupações sociais. Ela denunciou continuamente um determinado
número de idéias geralmente aceitas: já não era possível, por exemplo,
acreditar que a intenção do autor determinava a significação de um texto,
que a literatura fala do mundo ou que sua essência é o estilo... Era
necessário acabar com esses “fatos falsos” aceitos com demasiada facilidade
pelo sentido comum.
Mais de vinte anos depois, tem-se de admitir que a teoria literária não
conseguiu atingir seu alvo. Parece que o senso comum, tão depreciado,
resistiu a todos os ataques: as intenções do autor despertam ainda nosso
interesse; sentimos ainda que a literatura remete ao mundo e ainda somos
sensíveis a seu estilo... É conseqüentemente hora de avaliar a situação. Ao
tomar como foco, neste livro, sete noções que estão no âmago dessas
controvérsias literárias — a literariedade, o autor, o mundo, o leitor, o
estilo, a história e o valor — e tentando traçar sua genealogia, Antoine
COMPAGNON oferece essa avaliação. Mostra assim que o fracasso da teoria
literária vem de seu hábito de levar a extremos absurdos críticas que
poderiam, se assim não fosse, se justificar. Logo, melhor que se deixar
apanhar em oposições radicais, Antoine Compagnon opta por uma posição
intermediária entre a teoria literária e a (antiga) aproximação acadêmica.
Três exemplos — o autor, o mundo e o estilo — em que a oposição entre as
duas abordagens é bem definida, vai nos permitir compreender os meandros
dessa controvérsia.

O autor
Para compreender o significado de um texto, o senso comum nos leva a
determinar a intenção do autor (o que o autor queria dizer). Assim,
voltamo-nos para aspectos de sua biografia para identificar vestígios dessa
intenção. A teoria literária nega a relevância de tal investigação na
descrição do sentido de um texto. Na verdade, as intenções da pessoa que
compôs um texto nunca esclarecem inteiramente sua significação. Mais do que
isso, a significação escapa a ela quando o texto, apartado de sua época de
seu ambiente cultural, adquire sentidos que o autor não tinha previsto. O
texto literário deve conseqüentemente ser visto como autônomo, e não como a
expressão da intenção do autor.
Antoine Compagnon reconhece a discrepância entre o que o autor queria dizer
e o que seu texto significa (nunca se diz exatamente que se quer dizer).
Ainda em sua opinião, não é tão fácil de livrar-se da noção de intenção. Por
exemplo, quando nos vemos diante dificuldades devido à obscuridade ou à
ambigüidade de um texto, é difícil evitar procurar uma passagem paralela do
mesmo autor a fim de esclarecer o sentido do texto em questão. Isso supõe
que as diferentes passagens têm em comum alguma coerência (o mesmo espírito,
o mesmo tom), e que a coerência implica a intenção. Assim, um defensor
coerente da teoria literária, convencido da idéia que um texto deve ser
estudado sem referência à intenção, deveria evitar comparar passagens
diferentes. Mas todos o fazem... E, de fato, presumir que nenhuma intenção
esteja na base composição de um texto significaria considerá-la o resultado
de um processo aleatório, como o decorrente da ação de um macaco digitando
num teclado de computador.
O erro da teoria literária parece ter consistido em confundir o sentido de
um texto e sua significação. O sentido é o que permanece estável na recepção
de um texto. A significação indica o que muda. O sentido é original e
singular. A significação é o resultado da ligação que estabelecemos entre o
sentido e nossa própria experiência (histórica, cultural, individual): é
plural, variável e aberto. Assim, quando negou a objetividade do texto ao
anunciar que sua significação varia de acordo com a época e o ambiente, a
teoria literária esqueceu-se de que o sentido continuava fiel a si mesmo. Se
assim não fosse, como seria possível falar da interpretação errônea de um
texto? Uma obra pode ser inexaurível, e cada época pode compreendê-la à sua
própria maneira, mas isso não significa necessariamente que ela não tem um
sentido original. O que é inexaurível é sua significação. Assim a distinção
entre o sentido e a significação torna possível esclarecer leituras
diferentes de um texto sem eliminar as intenções do autor como um critério
da interpretação.
Isto não significa que a intenção do autor seja premeditada de modo
completamente consciente. A intenção é global: não implica a consciência de
todos os detalhes do processo da escrita. Assim como, quando se da uma
caminhada, há uma intenção de andar, embora não se premedite conscientemente
o movimento de cada músculo, assim também a intenção não pode ser reduzida
ao que o autor resolveu escrever. A significação não se encontra no projeto
explícito, que não passa de indício. O autor e sua biografia não explicam a
obra. Mas o pressuposto de uma intenção permanece ainda assim base de toda
interpretação.
O mundo
Em oposição à idéia de que a literatura remete ao mundo (como na mimesis de
Aristóteles), a teoria literária defendeu a idéia de sua autonomia com
relação à realidade. Passou-se a supor que a literatura não mais
representava coisa alguma, falava apenas de si mesma; tinha-se tornado
auto-referential: já não havia necessidade de procurar os modelos da
Duchesse de Guermantes de Proust. Não mais se lia para descobrir a realidade
das coisas, mas em função das referências que a literatura fazia a si mesma.
Essa concepção foi inspirado na teoria de Saussure, segundo a qual a
significação dos signos lingüísticos é diferencial (resultado de suas
relações recíprocas) e não referencial (os signos não se referem às coisas).
Aplicado à literatura, isso tornou toda referência à realidade, toda
semântica, secundária com respeito à sintaxe e à estrutura da narrativa.
Conseqüentemente, estudava-se como o que parecia referir-se à realidade
estava na verdade determinado por códigos literários, não sendo senão os
“effets de réel” que criavam a ilusão de dar acesso à realidade.
Por exemplo, de acordo com a teoria literária, um detalhe (frequentemente um
objeto) mencionado em uma descrição mas não importante para a história, era
um signo convencional e arbitrário que indicava simplesmente ao leitor que a
descrição em questão era realista: o detalhe (o objeto descrito) não
denotava um objeto real, tendo antes uma conotação de realismo, um “effet de
réel”. Como a denúncia da opressão essa parte do espírito de época, a teoria
literária chegava a afirmar que essa conotação veiculava uma ideologia
burguesa repressiva.
Antoine Compagnon concede que um significante não dá acesso direto e
transparente a um referente, que um romance não descreve a realidade como la
é. Mas isso não significa, afirma ele, que língua não seja referencial, ou
que a literatura nunca descreve o mundo. E, de fato, como pode a teoria
literária simultaneamente negar que a língua tem alguma relação referencial
com realidade e usa esta mesma língua para determinar suas propriedades
reais? Fazê-lo é reconhecer que é possível usar a língua para referir-se a
algo que realmente existe, como a própria língua ou a literatura. O paradoxo
é conseqüentemente que a função referencial da língua tenha de ser usada
para negar sua própria existência!
O erro da teoria literária foi ter passado da idéia da arbitrariedade do
signo à arbitrariedade da língua. Ela concluiu disso que a língua era um
sistema independente da realidade que, com sua estrutura e suas palavras,
descrevia essa realidade de maneira arbitrária e constituía assim uma visão
do mundo de que seus falantes permaneceriam prisioneiros. Entretanto, não é,
por exemplo, porque descrevem as cores do arco-íris diferentemente que
diferentes línguas não descrevem o mesmo arco-íris. Seja como for, é usando
a língua que se pode observar que aqueles que falam outra língua descrevem a
realidade de uma maneira diferente. Para isso, deve ser possível concordar
com relação aos objetos que são descritos; a língua tem de falar sobre a
realidade. Não se pode, conseqüentemente, concluir que o fato de a
literatura falar sobre a literatura faz que ela não fale sobre o mundo.

O estilo
Outro tema de discórdia é a noção de estilo. Tendo eliminado a intenção e a
representação, a Teoria Literária anunciou a morte da estilística. A ciência
da linguagem tinha de ir além do estilo, um conceito “pré-teórico”. A idéia
do estilo se apoiava na possibilidade de sinonímia, que permitia dizer a
mesma coisa de maneiras diferentes, isto é, com diferentes estilos.
Tratava-se do conceito de uma dualidade entre o conteúdo e a forma, entre a
substância e a expressão ou entre a matéria e a maneira, oposições binárias
que se apoiavam no dualismo entre pensamento e linguagem. A teoria literária
julgou obsoletas todas essas polaridades. O pressuposto que estava na base
da estilística apoiava-se num círculo vicioso: para isolar o conteúdo (a
substância), era necessário analisar a expressão (a forma), mas para
analisar a expressão era necessário já ter determinado o conteúdo. Não era
possível interpretar a matéria sem descrever a maneira, ou descrever a
maneira sem interpretar a matéria. Uma descrição estilística deve
conseqüentemente ser vista, ao mesmo tempo, como interpretação semântica:
analisar o estilo de um poema é determinar seu significado.
A teoria literária considerou conseqüentemente que falar de uma maneira
diferente era dizer algo diferente, que duas expressões nunca significavam
exatamente a mesma coisa. A sinonímia era assim uma ilusão e a estilística
deveria ser abandonada. Tem-se não obstante de admitir que o estilo ainda é
discutido e que esta noção deve corresponder a algo, dado que é possível
imitar um autor por seu estilo. Mas como reconhecer o estilo quando se
sustenta que dizer algo de maneira diferente deve diferentemente dizer outra
coisa? Para Antoine Compagnon, isso é possível se se admitir que exigir que
haja sinonímia é pedir demais. Para o estilo existir, tudo o que é
necessário é haver seja maneiras diferentes de dizer coisas bem semelhantes,
nas não perfeitamente idênticas. Assim, pode-se dizer mais ou menos a mesma
coisa com estilos muito diferentes. Abandonar a sinonímia estrita não abole,
conseqüentemente, o estilo. Mais uma vez, Antoine Compagnon opta por uma
conciliação entre o estilo como a essência da literatura e o estilo como uma
ilusão.
Para completar a apresentação desse estimulante livro, um seria necessário
discorrer sobre os debates sobre o que torna literário um texto, sobre o
lugar do leitor, o relacionamento entre a literatura e a história e o valor
de textos literários. Apresentando em detalhe as polemicas que cada uma
dessas questões inspirou, Antoine Compagnon mostra que uma concepção
excessivamente sistemática da literatura não pode escapar à contradição. A
pergunta que obseda a teoria literária — que é, naturalmente: o que é
literatura? — permanece assim não respondida. E por isso esse livro, ao
fazer uma clara apresentação dos meandros dos debates literários, é também
uma elegante lição da modéstia que a teoria requer...