quinta-feira, setembro 09, 2004

compagnon - Cap. I - A Literatura

A Literatura – Cap. 1
Os estudos literários falam da literatura das mais diferentes maneiras. Concordam, entretanto, num ponto: diante de todo estudo literário, qualquer que seja seu objetivo, a primeira questão a ser colocada, embora pouco teórica, é a da definição que ele fornece (ou não) de seu objeto: o texto literário. O que toma esse estudo literário? Ou como ele define as qualidades literárias do texto literário? Numa palavra, o que é para ele, explícita ou implicitamente, a literatura?
Certamente, essa primeira questão não é independente das que se seguirão. Indagaremos sobre seis outros termos ou noções, ou, mais exatamente, sobre a relação do texto literário com seis outras noções: a intenção, a realidade, a recepção, a língua, a história e o valor. Essas seis questões poderiam, portanto, ser reformuladas, acrescentando-se a cada uma o epíteto literário, o que, infelizmente, as complica mais do que as simplifica:
O que é intenção literária?
O que é realidade literária?
O que é recepção literária?
O que é língua literária?
O que é história literária?
O que é valor literário?
Ora, emprega-se, freqüentemente, o adjetivo literário, assim
como o substantivo literatura, como se ele não levantasse problemas, como se acreditasse haver um consenso sobre o que é literário e o que não o é. Aristóteles, entretanto, já observava, no início de sua Poética, a inexistência de um termo genérico para designar ao mesmo tempo os diálogos socráticos, os textos em prosa e o verso: "A arte que usa apenas a linguagem em prosa ou versos L..] ainda não recebeu um nome
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até o presente" (14447a 28-b9). Há o nome e a coisa. O nome literatura é, certamente, novo (data do início do século XIX; anteriormente, a literatura, conforme a etimologia, eram as inscrições, a escritura, a erudição, ou o conhecimento das letras; ainda se diz "é literatura"), mas isso não resolveu o enigma, como prova a existência de numerosos textos intitulados Qu'Est-ce que l'Art? [O que É a Arte?] (Tolstol, 1898), "Qu'Est-ce que Ia Poésie?" [O que É a Poesia?] (Jakobson, 19331934), Qu'Est-ce que Ia Littérature? [O que É Literatura?] Charles Du Bos, 1938; Jean-Paul Sartre, 1947). A tal ponto que Barthes renunciou a uma definição, contentando-se com esta brincadeira: "A literatura é aquilo que se ensina, e ponto finaL"! Foi uma bela tautologia. Mas pode-se dizer outra coisa que não "Literatura é literatura?", ou seja, "Literatura é o que se chama aqui e agora de literatura?" O filósofo Nelson Goodman (977) propôs substituir a pergunta "O que é arte?" (What is art?) pela pergunta "Quando é arte?" (When is art?) Não seria necessário fazer o mesmo com a literatura? Afinal de contas, existem muitas línguas nas quais o termo literatura é intraduzível, ou não existe uma palavra que lhe seja equivalente.
Qual é esse campo? Essa categoria, esse objeto? Qual é a sua "diferença específica?" Qual é a sua natureza? Qual é a sua função? Qual é sua extensão? Qual é sua compreensão? É necessário definir literatura para definir o estudo literário, mas qualquer definição de literatura não se torna o enunciado de uma norma extraliterária? Nas livrarias britânicas encontra-se, de um lado, a estante Literatura e, de outro, a estante Ficção;
de um lado, livros para a escola e, de outro, livros para o lazer, como se a Literatura fosse a ficção entediante, e a Ficção, a literatura divertida. Seria possível ultrapassar essa classificação comercial e prática?
A aporia resulta, sem dúvida, da contradição entre dois pontos de vista possíveis e igualmente legítimos; ponto de vista contextual (histórico, psicológico, sociológico, instituciona!) e ponto de vista textual (lingüístico). A literatura, ou o estudo literário, está sempre imprensada entre duas abordagens irredutíveis: uma abordagem histórica, no sentido amplo (o texto como documento), e uma abordagem lingüística (o texto como fato da língua, a literatura como arte da linguagem). Nos anos sessenta, uma nova querela entre antigos
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e modernos despertou a velha guerra de trincheiras entre partidários de uma definição externa e partidários de uma definição interna de literatura, aceitáveis as duas, mas ambas limitadas. Genette, que julga "tola" a pergunta "O que é literatura?" - ela é mal colocada -, sugeriu, entretanto, distinguir dois regimes literários complementares: um regime constitutivo, garantido pelas convenções, logo fechado - um soneto, um romance pertencem de direito à literatura, mesmo que ninguém os leia -, e um regime condicional, logo aberto, dependente de uma apreciação revogável - a inclusão, na literatura, dos Pensées [Pensamentos] de Pascal ou de Ia Sorciere [A Feiticeira] de Michelet depende dos indivíduos e das épocas.2
Descrevamos a literatura sucessivamente: do ponto de vista da extensão e da compreensão, depois da função e da forma, em seguida, da forma do conteúdo e da forma da expressão. Avancemos dissociando, seguindo o método familiar da dicotomia platônica, mas sem demasiadas ilusões sobre nossas chances de sucesso. Como a questão "O que é literatura?" é insolúvel dessa maneira, o primeiro capítulo será o mais curto deste livro, mas todos os capítulos seguintes continuarão a busca de uma definição satisfatória de literatura.

A EXTENSÃO DA LITERATURA
No sentido mais amplo, literatura é tudo o que é impresso (ou mesmo manuscrito), são todos os livros que a biblioteca contém (incluindo-se aí o que se chama literatura oral, doravante consignada). Essa acepção corresponde à noção clássica de "belas-letras" as quais compreendiam tudo o que a retórica e a poética podiam produzir, não somente a ficção, mas também a história, a filosofia e a ciência, e, ainda, toda a eloqüência. Contudo, assim entendida, como equivalente à cultura, no sentido que essa palavra adquiriu desde o século XIX, a literatura perde sua "especificidade": sua qualidade propriamente literária lhe é negada. Entretanto, a filologia do século XIX ambicionava ser, na realidade, o estudo de toda uma cultura, da qual a literatura, na acepção mais restrita, era o testemunho mais acessível. No conjunto orgânico assim constituído, segundo a filologia, pela língua, pela literatura e pela cultura,
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unidade identificada a uma nação, ou a uma raça, no sentido filológico, não biológico do termo, a literatura reinava absoluta, e o estudo da literatura era a via régia para a compreensão de uma nação, estudo que os gênios não só perceberam, mas no qual também forjaram o espírito.
No sentido restrito, a literatura (fronteira entre o literário e o não literário) varia consideravelmente segundo as épocas e as culturas. Separada ou extraída das belas-letras, a literatura ocidental, na acepção moderna, aparece no século XIX, com o declínio do tradicional sistema de gêneros poéticos, perpetuado desde Aristóteles. Para ele, a arte poética – a arte dessa coisa sem nome, descrita na Poética - compreendia, essencialmente, o gênero épico e o gênero dramático, com exclusão do gênero lírico, que não era fictício nem imitativo uma vez que, nele, o poeta se expressava na primeira pessoa - vindo a ser, conseqüentemente, e por muito tempo, julgado um gênero menor. A epopéia e o drama constituíam ainda os dois grandes gêneros da idade clássica, isto é, a narração e a representação, ou as duas formas maiores da poesia, entendida como ficção ou imitação (Genette, 1979; Combe). Até então, a literatura, no sentido restrito (a arte poética), era o verso. Mas um deslocamento capital ocorreu ao longo do século XIX: os dois grandes gêneros, a narração e o drama, abandonavam cada vez mais o verso para adotar a prosa. Com o nome de poesia, muito em breve não se conheceu senão, ironia da história, o gênero que Aristóteles excluía da poética, ou seja, a poesia lírica a qual, em revanche, tornou-se sinônimo de toda poesia. Desde então, por literatura compreendeu-se o romance, o teatro e a poesia, retomando-se à tríade pós-aristotélica dos gêneros épico, dramático e lírico, mas, doravante, os dois primeiros seriam identificados com a prosa, e o terceiro apenas com o verso, antes que o verso livre e o poema em prosa dissolvessem ainda mais o velho sistema de gêneros.
O sentido moderno de literatura (romance, teatro e poesia) é inseparável do romantismo, isto é, da afirmação da relatividade histórica e geográfica do bom gosto, em oposição à doutrina clássica da eternidade e da universalidade do cânone estético. Restrita à prosa romanesca e dramática, e à poesia lírica, a literatura é concebida, além disso, em suas
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relações com a nação e com sua história. A literatura, ou melhor, as literaturas são, antes de tudo, nacionais.
Mais restritamente ainda: literatura são os grandes escritores. Também essa noção é romântica: Thomas Carlyle via neles os heróis do mundo moderno. O cânone clássico eram obras-modelo, destinadas a serem imitadas de maneira fecunda; o panteão moderno é constituído pelos escritores que melhor encarnam o espírito de uma nação. Passa-se, assim, de uma definição de literatura do ponto de vista dos escritores (as obras a imitar) a uma definição de literatura do ponto de vista dos professores (os homens dignos de admiração). Alguns romances, dramas ou poemas pertencem à literatura porque foram escritos por grandes escritores, segundo este corolário irônico: tudo o que foi escrito por grandes escritores pertence à literatura, inclusive a correspondência e as anotações irrisórias pelas quais os professores se interessam. Nova tautologia: a literatura é tudo o que os escritores escrevem.
Voltarei, no último capítulo, ao valor ou à hierarquia literária, ao cânone como patrimônio de uma nação. No momento, notemos apenas este paradoxo: o cânone é composto de um conjunto de obras valorizadas ao mesmo tempo em razão da unicidade da sua forma e da universalidade (pelo menos em escala nacional) do seu conteúdo; a grande obra é reputada simultaneamente única e universal. O critério (romântico) da relatividade histórica é imediatamente contraposto à vontade de unidade nacional. Donde a zombaria irônica de Barthes: "A literatura é aquilo que se ensina", variação da falsa etimologia consagrada pelo uso: "Os clássicos são aqueles que lemos em classe."
Evidentemente, identificar a literatura com o valor literário (os grandes escritores) é, ao mesmo tempo, negar (de fato e de direito) o valor do resto dos romances, dramas e poemas, e, de modo mais geral, de outros gêneros de verso e de prosa. Todo julgamento de valor repousa num atestado de exclusão. Dizer que um texto é literário subentende sempre que um outro não é. O estreitamento institucional da literatura no século XIX ignora que, para aquele que lê, o que ele lê é sempre literatura, seja Proust ou uma fotonovela, e negligencia a complexidade dos níveis de literatura (como há níveis de língua) numa sociedade. A literatura, no sentido restrito,
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seria somente a literatura culta, não a literatura popular (a Fiction das livrarias britânicas).
Por outro lado, o próprio cânone dos grandes escritores não é estável, mas conhece entradas (e saídas): a poesia barroca, Sade, Lautréamont, os romancistas do século XVIII são bons exemplos de redescobertas que modificaram nossa definição de literatura. Segundo T. S. Eliot, que pensava como um estruturalista em seu artigo "La Tradition et le Talent Individuel" [A Tradição e o Talento Individual] (919), um novo escritor altera toda a paisagem da literatura, o conjunto do sistema, suas hierarquias e suas filiações:
“Os monumentos existentes formam entre si uma ordem ideal que é modificada pela introdução, entre eles, da nova (da verdadeiramente nova) obra de arte. A ordem existente é completa antes da chegada da nova obra; para que a ordem subsista, depois da intervenção da novidade, o conjunto da ordem existente deve ser alterado, ainda que ligeiramente; e assim as relações, as proporções, os valores de todas as obras de arte em relação ao conjunto são reajustados”.3
A tradição literária é o sistema sincrônico dos textos literários, sistema sempre em movimento, recompondo-se à medida que surgem novas obras. Cada obra nova provoca um rearranjo da tradição como totalidade (e modifica, ao mesmo tempo, o sentido e o valor de cada obra pertencente à tradição).
Após o estreitamento que sofreu no século XIX, a literatura reconquistou desse modo, no século XX, uma parte dos territórios perdidos: ao lado do romance, do drama e da poesia lírica, o poema em prosa ganhou seu título de nobreza, a autobiografia e o relato de viagem foram reabilitados, e assim por diante. Sob a etiqueta de paraliteratura, os livros para crianças, o romance policial, a história em quadrinhos foram assimilados. Às vésperas do século XXI, a literatura é novamente quase tão liberal quanto as belas-letras antes da profissionalização da sociedade.
O termo literatura tem, pois, uma extensão mais ou menos vasta segundo os autores, dos clássicos escolares à história em quadrinhos, e é difícil justificar sua ampliação contemporânea. O critério de valor que inclui tal texto não é, em si mesmo, literário nem teórico, mas ético, social e ideológico,

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de qualquer forma extraliterário. Pode-se, entretanto, definir literariamente a literatura?


COMPREENSÃO DA LITERATURA: A FUNÇÃO

Continuemos a proceder, imitando Platão, por dicotomia, e distingamos função e forma, através de duas questões: O que a literatura faz? Qual é o seu traço distintivo?
As definições de literatura segundo sua função parecem relativamente estáveis, quer essa função seja compreendida como individual ou social, privada ou pública. Aristóteles falava de katharsis, de purgação, ou de purificação de emoções como o temor e a piedade (1449b 28). É uma noção difícil de determinar, mas ela diz respeito a uma experiência especial das paixões ligada à arte poética. Aristóteles, além disso, colocava o prazer de aprender na origem da arte poética (1448b 13): instruir ou agradar (prodesse aut delectare), ou ainda instruir agradando, serão as duas finalidades, ou a dupla finalidade, que também Horácio reconhecerá na poesia, qualificada de dulce et utile. (Ars Poetica [Arte Poética] v.333 e 343).
Essa é a mais corrente definição humanista de literatura, enquanto conhecimento especial, diferente do conhecimento filosófico ou científico. Mas qual é esse conhecimento literário, esse conhecimento que só a literatura dá ao homem? Segundo Aristóteles, Horácio e toda a tradição clássica, tal conhecimento tem por objeto o que é geral, provável ou verossímil,
a dóxa, as sentenças e máximas que permitem compreender e regular o comportamento humano e a vida social. Segundo a visão romântica, esse conhecimento diz respeito sobretudo ao que é individual e singular. A continuidade permanece, no entanto, profunda: de Paolo e Francesca - que, n'A Divina Comédia, descobrem estar apaixonados lendo juntos os romances da Table Ronde - a Don Quichote - que põe em
prática os romances de cavalaria - e Madame Bovary
intoxicada pelos romances sentimentais que devora. Essas obras, claramente paródicas, são prova da função de aprendizagem atribuída à literatura. Segundo o modelo humanista, há um conhecimento do mundo e dos homens propiciado
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pela experiência literária (talvez não apenas por ela, mas principalmente por ela), um conhecimento que só (ou quase só) a experiência literária nos proporciona. Seríamos capazes de paixão se nunca tivéssemos lido uma história de amor, se nunca nos houvessem contado uma única história de amor? O romance europeu em particular, cuja glória coincidiu com a expansão do capitalismo, propõe, desde Cervantes, uma aprendizagem do indivíduo burguês, Não poderíamos avançar, mesmo que o modelo de indivíduo, que surgiu no fim da Idade Média, fosse o leitor traçando seu caminho no livro, e que o desenvolvimento da leitura fosse o meio de aquisição da subjetividade moderna? O indivíduo é um leitor solitário, um intérprete de signos, um caçador ou um adivinho, poderíamos dizer com Carlo Ginsburg o qual, por dedução lógico-matemática, identificou esse outro modelo de conhecimento com a caça (deciframento dos vestígios do passado) e a adivinhação (deciframento dos signos do futuro).
"Cada homem traz em si a forma completa da condição humana", escreve Montaigne no livro III dos Essais [Ensaios], Sua experiência, tal como a interpretamos, parece exemplar quanto ao que chamamos de conhecimento literário. Depois de ter acreditado na verdade dos livros, em seguida ter duvidado dela a ponto de quase negar a individualidade, ele teria, ao final do seu percurso dialético, voltado a encontrar em si a totalidade do Homem. A subjetividade moderna desenvolveu-se com a ajuda da experiência literária, e o leitor é o modelo de homem livre, Atravessando o outro, ele atinge o universal: na experiência do leitor, "a barreira do eu individual, na qual ele era um homem como os outros, ruiu" (Proust), "eu é um outro" (Rimbaud), ou "sou agora impessoal" (Mallarmé).
Evidentemente, essa concepção humanista de conhecimento literário foi denunciada, por seu idealismo, como visão de mundo de uma classe particular. Ligada à privatização da cena da leitura, depois do nascimento da imprensa, ela estaria comprometida com valores dos quais seria ao mesmo tempo causa e conseqüência, sendo o primeiro deles o indivíduo burguês. Essa é, sobretudo, a crítica marxista, que vincula literatura e ideologia. A literatura serve para produzir um consenso social; ela acompanha, depois substitui a religião como ópio do povo. Os literatos, principalmente Matthew Arnold, na Inglaterra vitoriana, por sua obra fundadora,

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Cu/ture and Anarchy [Cultura e Anarquia] (1869), mas também Ferdinand Brunetiere e Lanson, na França, adotaram esse ponto de vista no final do século XIX, julgando que seu tempo chegara: depois da decadência da religião, e antes da apoteose da ciência, no interregno, à literatura seria atribuída, ainda que provisoriamente, e graças ao estudo literário, a tarefa de fornecer uma moral social. Num mundo cada vez mais materialista ou anarquista, a literatura aparecia como a última fortaleza contra a barbárie, o ponto fixo do final do século: chega-se assim, a partir da perspectiva da função, à definição canônica de literatura.
Mas, se a literatura pode ser vista como contribuição à ideologia dominante, "aparelho ideológico do Estado", ou mesmo propaganda, pode-se, ao contrário, acentuar sua
função subversiva, sobretudo depois da metade do século XIX e da voga da figura do artista maldito. É difícil identificar Baudelaire, Rimbaud ou Lautréamont com os cúmplices da ordem estabeleci da. A literatura confirma um consenso, mas produz também a dissensão, o novo, a ruptura. Segundo o modelo militar da vanguarda, ela precede o movimento, esclarece o povo. Trata-se do par imitação e inovação, dos antigos e dos modernos, ao qual voltaremos. A literatura precederia também outros saberes e práticas: os grandes escritores (os visionários) viram, antes dos demais, particularmente antes dos filósofos, para onde caminhava o mundo: "O mundo vai acabar" - anunciava Baudelaire em Fusées [Lampejos], no início da idade do progresso - e, realmente, o mundo não cessou de acabar. A imagem do visionário foi revalorizada no século XX, num sentido político, atribuindo-se à literatura uma perspicácia política e social que faltaria a todas as outras práticas.
Do ponto de vista da função, chega-se também a uma aporia: a literatura pode estar de acordo com a sociedade, mas também em desacordo; pode acompanhar o movimento, mas também precedê-lo. A pesquisa da literatura por parte da instituição leva a um relativismo sociohistórico herdeiro do romantismo. Prosseguindo na dicotomia, examinando agora o lado da forma, das constantes, dos universais, procurando uma definição formal, depois de uma definição funcional de literatura, voltamos aos antigos e clássicos, passamos também da teoria da literatura à teoria literária, segundo a distinção que fiz anteriormente.
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COMPREENSÃO DA LITERATURA: A FORMA DO CONTEÚDO

Da Antigüidade à metade do século XVIII, a literatura
sei que a palavra é anacrônica, mas suponhamos que ela designe o objeto da arte poética - foi geralmente definida como imitação ou representação (mimesis) de açôes humanas pela linguagem. É como tal que ela constitui uma fábula ou uma história (muthus). Os dois termos (mimesis e muthos) aparecem desde a primeira página da Poética de Aristóteles e fazem da literatura uma ficção - tradução de mimesis às vezes adotada, por exemplo, por Kate Hamburger e Genette ou, ainda, uma mentira, nem verdadeira nem falsa, mas verossímil: um "mentir-verdadeiro", como dizia Aragon. "O poeta", escrevia Aristóteles, "deve ser poeta de histórias mais que de metros, pois que é em razão da mimesis que ele é poeta, e o que ele representa ou imita (mimeisthai) são açôes" (1451b 27).
Em nome dessa definição de poesia através da ficção, Aristóteles excluía da poética não apenas a poesia didática ou satírica, mas também a poesia lírica, que põe em cena o eu do poeta, e não preservava senão os gêneros épico (narrativo) e trágico (dramático). Genette fala de uma "poética essencialista” ou, ainda, constitutivista "na sua versão temática". Segundo essa poética, "a maneira mais segura para a poesia escapar do risco de dissolução, no emprego corrente da linguagem, e se fazer obra de arte é a ficção narrativa ou dramática".4 O qualificativo temático parece-me que deve ser evitado, pois não há temas (conteúdos) constitutivamente literários: o que Aristóteles e Genette visam é ao estatuto ontológico, ou pragmático, constitutivo dos conteúdos literários, é, pois, a ficção como conceito ou modelo, não como tema (ou como vazio, não como pleno); e Genette, além disso, prefere chamá-Ia ficcionalidade. Referindo-me às distinções
do lingüista Louis Hjelmslev entre substância do conteúdo (as idéias), forma do conteúdo (a organização dos significados), substância da expressão (os sons) e forma da expressão (a organização dos significantes), direi que, para a poética clássica, a literatura é caracterizada pela ficção enquanto forma do conteúdo, isto é, enquanto conceito ou modelo.
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Mas trata-se de uma definição ou de uma propriedade da literatura? No século XIX, à medida que a poesia lírica ocupava o centro da poesia, representando-a, finalmente, na sua totalidade, essa definição devia desaparecer. A ficção como conceito vazio não era mais uma condição necessária e suficiente da literatura (veremos tudo isso detalhada mente no Capítulo III, sobre a mimesis), embora, sem dúvida alguma, seja sempre como ficção que a opinião corrente considera globalmente a literatura.


COMPREENSÃO DA LITERATURA: A FORMA DA EXPRESSÃO

A partir da metade do século XVIII, uma outra definição de literatura se opôs cada vez mais à ficção, acentuando o belo, concebido doravante - por exemplo, na Crítica da
Faculdade do juízo (1790), de Kant, e na tradição romântica
como tendo um fim em si mesma. A partir de então, a arte e a literatura não remetem senão a si mesmas. Em oposição à linguagem cotidiana, que é utilitária e instrumental, afirma-se que a literatura encontra seu fim em si mesma. Segundo o
Tesouro da Língua Francesa, herdeiro dessa concepção, a literatura é simplesmente "o uso estético da linguagem escrita".
A vertente romântica dessa idéia foi, durante muito tempo, a mais valorizada, separando a literatura da vida, considerando a literatura uma redenção da vida ou, desde o final do século XIX, a única experiência autêntica do absoluto e do nada. Essa tradição pós-romântica e essa concepção de literatura como redenção manifestam-se ainda em Proust, que afirma, em O Tempo Redescoberto, que "a verdadeira vida, a vida enfim descoberta e esclarecida, logo a única vida plenamente vivida, é a literatura",5 ou em Sartre, antes da guerra, no final de Ia Nausée [A Náusea], quando uma música de jazz salva Roquetin da contingência. A forma, a metáfora, "os elos necessários do belo estilo" em Proust,6 permite escapar deste mundo, apreender "um pouco do tempo em estado puro".7
Mas tal idéia tem também um lado formalista, mais familiar hoje, que separa a linguagem literária da linguagem cotidiana, ou singulariza o uso literário em relação à linguagem comum.
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Qualquer signo, qualquer linguagem é fatalmente transparência e obstáculo. O uso cotidiano da linguagem procura fazer-se esquecer tão logo se faz compreender (é transitivo, imperceptível), enquanto a linguagem literária cultiva sua própria opacidade (é intransitiva, perceptível). Numerosas são as maneiras de apreender essa polaridade. A linguagem cotidiana é mais denotativa, a linguagem literária é mais conotativa (ambígua, expressiva, perlocutória, auto-referencial): "Significam mais do que dizem", observava Montaigne, referindo-se às palavras poéticas. A linguagem cotidiana é mais espontânea, a linguagem literária é mais sistemática (organizada, coerente, densa, complexa). O uso cotidiano da linguagem é referencial e pragmático, o uso literário da língua é imaginário e estético. A literatura explora, sem fim prático, o material lingüístico. Assim se enuncia a definição forma lista de literatura.
Do romantismo a Mallarmé, a literatura, como resumia Foucault, "encerra-se numa intransitividade radical", ela "se torna pura e simples afirmação de uma linguagem que só tem como lei afirmar [....] sua árdua existência; não faz mais que se curvar, num eterno retorno, sobre si mesma, como se seu discurso não pudesse ter como conteúdo senão sua própria forma".8 Valéry chegava a essa conclusão no seu "Cours de poétique": "a Literatura é, e não pode ser outra coisa senão uma espécie de extensão e de aplicação de certas propriedades da Linguagem".9 Eis, portanto, nessa volta aos antigos contra os modernos, aos clássicos contra os românticos, uma tentativa de definição universal da literatura, ou da poesia, como arte verbal. Genette falaria de "uma poética essencialista na sua versão formal", mas eu diria que se trata, dessa vez, da forma da expressão, porque a definição de literatura através da ficção era também ela formal, mas recaía sobre a forma do conteúdo. De Aristóteles a Valéry, passando por Kant e Mallarmé, a definição de literatura através da ficção cedeu, pois, lugar, pelo menos junto aos especialistas, à sua definição através da poesia (da dicção, segundo Genette). A menos que as duas definições não partilhem o mesmo campo literário.
Os formalistas russos deram ao uso propriamente literário da língua, logo à propriedade distintiva do texto literário, o nome de literariedade. Jakobson escrevia em 1919: "O objeto da ciência literária não é a literatura, mas a literariedade, ou
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seja, o que faz de uma determinada obra uma obra literária";I° ou, muito tempo depois, em 1960: "o que faz de uma mensagem verbal uma obra de arte",n A teoria da literatura, no sentido de crítica da crítica, e a teoria literária, no sentido de formalismo, parecem se encontrar nesse conceito, que também é tático e polêmico. Os formalistas tentavam, graças a ele, tornar o estudo literário autônomo - sobretudo em relação ao historicismo e ao psicologismo vulgares aplicados à literatura através da definição da especificidade de seu objeto. Eles se opunham abertamente à definição de literatura como documento, ou à sua definição através da função de representação (do real) ou de expressão (do autor) e acentuavam os aspectos da obra literária considerados especificamente literários e distinguiam, assim, a linguagem literária da linguagem não literária ou cotidiana. A linguagem literária é motivada (e não arbitrária), autotélica (e não linear), auto-referencial (e não utilitária).
Qual é, entretanto, essa propriedade - essa essência que torna literários certos textos? Os formalistas, segundo Viktor Chklovski, em "L'Art comme Procédé" [A Arte como
Procedimento] (1917), tomavam como critério de literariedade a desfamiliarização, ou estranhamento (ostranénie): a literatura, ou a arte em geral, renova a sensibilidade lingüística dos leitores através de procedimentos que desarranjam as formas habituais e automáticas da sua percepção. Jakobson explicará, em seguida, que o efeito de desfamiliarização resulta do domínio de certos procedimentos (Jakobson, 1935) que, tomados do conjunto das invariáveis formais ou traços lingüísticas, caracterizam a literatura como experimentação dos "possíveis da linguagem", segundo expressão de Valéry. Mas certos procedimentos, ou o domínio de procedimentos, tornam-se também eles familiares: o formalismo desemboca (ver Capítulo VI) numa história da literariedade como renovação do estranhamento por meio da redistribuição dos procedimentos literários.
A essência da literatura estaria, assim, fundamentada em invariantes formais passíveis de análise. O formalismo, apoiado pela lingüística e revigorado pelo estruturalismo, libera o estudo literário dos pontos de vista estranhos à condição verbal do texto. Quais são os invariantes que ele explora? Os
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gêneros, os tipos, as figuras. O pressuposto é que uma ciência da literatura em geral é possível, em oposição a uma estilística das diferenças individuais.


LITERARIEDADE OU PRECONCEITO

Em busca da "boa" definição de literatura, procedemos segundo o método platônico, pela dicotomia, deixando sempre de lado a via da esquerda (a extensão, a função, a representação), para seguir a via da direita (a compreensão, a forma, a desfamiliarização). Tendo chegado a esse ponto, finalmente, alcançamos êxito? Encontramos na literariedade uma condição necessária e suficiente da literatura? Podemos nos deter aqui?
Afastemos, antes de tudo, esta primeira objeção: como não existem elementos lingüísticos exclusivamente literários, a literariedade não pode distinguir um uso literário de um uso não literário da linguagem. O mal-entendido vem, em grande parte, do novo nome que Jakobson, bem mais tarde, no seu célebre artigo "Linguistique et Poétique" [Lingüística e poética] (960), deu à literariedade. Ele, então, denominou "poética" uma das seis funções que distinguia no ato de comunicação (funções expressiva, poética, conativa, referencial, metalingüística e fática), como se a literatura (o texto poético) abolisse as cinco outras funções, e deixou fora do jogo os cinco elementos aos quais elas eram geralmente ligadas (o locutor, o destinatário, o referente, o código e o contato), para insistir unicamente na mensagem em si mesma. Tal como em seus artigos mais antigos, "La Nouvelle Poésie Russe" [A Nova Poesia Russa] (919) e "La Dominante" [A dominante] (935), Jakobson esclarecia, entretanto, que, se a função poética é dominante no texto literário, as outras funções não são, contudo, eliminadas. Mas, desde 1919, Jakobson afirmava ao mesmo tempo que, em poesia, "a função comunicativa L.,] é reduzida ao mínimo", e que "a poesia é a linguagem na sua função estética", como se as outras funções pudessem ser esquecidas.12 A literariedade (a desfamiliarização) não resulta da utilização de elementos lingüísticos próprios, mas de uma organização diferente (por exemplo, mais densa, mais coerente,
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mais complexa) dos mesmos materiais lingüísticos cotidianos. Em outras palavras, não é a metáfora em si que faria a literariedade de um texto, mas uma rede metafórica mais cerrada, a qual relegaria a segundo plano as outras funções lingüísticas. As formas literárias não são diferentes das formas lingüísticas, mas sua organização as torna (pelo menos algumas delas) mais visíveis. Enfim, a literariedade não é questão de presença ou de ausência, de tudo ou nada, mas de mais e de menos (mais tropos, por exemplo): é a dosagem que produz o interesse do leitor.
Infelizmente, mesmo esse critério flexível e moderado de literariedade é refutável. Mostrar contra-exemplos é fácil. Por um lado, certos textos literários não se afastam da linguagem cotidiana (como a escritura branca, ou behaviorista, a de Hemingway, a de Camus). Sem dúvida, é possível reintegrá-Ios, acrescentando que a ausência de marca é, ela mesma, uma marca, que o cúmulo da desfamiliarização é a familiaridade absoluta (ou o cúmulo da obscuridade, a insignificância), mas a definição de literariedade no sentido restrito, como traços específicos ou flexíveis, como organização específica, não é menos contraditória. Por outro lado, não somente os traços considerados mais literários se encontram também na linguagem não literária, mas ainda, às vezes, são nela mais visíveis, mais densos que na linguagem literária, como é o caso da publicidade. A publicidade seria então o máximo da literatura, o que não é, entretanto, satisfatório. Seria, pois, toda a literatura o que a literariedade dos formalistas caracterizou, ou somente um certo tipo de literatura; a literatura por excelência, de seu ponto de vista, isto é, a poesia, e ainda não toda poesia, mas somente a poesia moderna, de vanguarda, obscura, difícil, desfamiliarizante? A literariedade definiu o que se chamava outrora licença poética, não a literatura. A menos que Jakobson, quando descreveu a função poética como ênfase na mensagem, tenha pensado não somente na forma da mensagem, como de um modo geral compreendemos, mas também no seu conteúdo. O texto de Jakobson sobre "A Dominante" deixava bastante claro, entretanto, que a idéia da desfamiliarização era séria, que suas implicações eram também éticas e políticas. Sem isso, a literariedade parece gratuita, decorativa, lúdica.
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A literariedade, como toda definição de literatura, compromete-se, na realidade, com uma preferência extraliterária. Uma avaliação (um valor, uma norma) está inevitavelmente incluída em toda definição de literatura e, conseqüentemente, em todo estudo literário. Os formalistas russos preferiam, evidentemente, os textos aos quais melhor se adequava sua noção de literariedade, pois essa noção resultava de um raciocínio indutivo: eles estavam ligados à vanguarda da poesia futurista. Uma definição de literatura é sempre uma preferência (um preconceito) erigido em universal (por exemplo, a desfamiliarização). Mais tarde, o estruturalismo em geral, a poética e a narratologia, inspirados no formalismo, deviam valorizar do mesmo modo o desvio e a autoconsciência literária, em oposição à convenção e ao rea
lismo. A distinção proposta por Barthes, em S/Z, entre o legível (realista) e o escriptível (desfamiliarizante), é também abertamente valorativa, mas toda teoria repousa num sistema de preferências, consciente ou não.
Mesmo Genette devia finalmente reconhecer que a literariedade, segundo a acepção de Jakobson, não recobria senão uma parte da literatura, seu regime constitutivo, não seu regime condicional, e, além disso, do lado da literatura dita constitutiva, somente a dicção (a poesia), não a ficção (narrativa ou dramática). Daí inferia, renunciando às pretensões do formalismo e do estruturalismo, que "a literariedade, sendo um fato plural, exige uma teoria pluralista" .13 À literatura constitutiva - ela própria heterogênea e justaposta à poesia (em nome de um critério relativo à forma da expressão) à ficção (em nome de um critério relativo à forma do conteúdo) -, acrescenta-se ainda, desde o século XIX, o domínio vasto e impreciso da prosa não ficcional, condicionalmente literária (autobiografia, memórias, ensaios, história, até o Código Civil), anexada ou não à literatura, ao sabor dos gostos individuais e das modas coletivas. "O mais prudente", concluía Genette, "é, pois, aparente e provisoriamente, atribuir a cada um sua parte de verdade, isto é, uma porção do campo literário" .14 Ora, esse provisório tem tudo para durar, porque não há essência da literatura, ela é uma realidade complexa, heterogênea, mutável.
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LITERATURA É LITERATURA

Ao procurar um critério de literariedade, caímos numa aporia a que a filosofia da linguagem nos habituou. A definição de um termo como literatura não oferecerá mais que o conjunto das circunstâncias em que os usuários de uma língua aceitam empregar esse termo. É possível ultrapassar essa formulação de aparência circular? Um pouco, porque os textos literários são justamente aqueles que uma sociedade utiliza, sem remetê-los necessariamente a seu contexto de origem. Presume-se que sua significação (sua aplicação, sua pertinência) não se reduz ao contexto de sua enunciação inicial. É uma sociedade que, pelo uso que faz dos textos, decide se certos textos são literários fora de seus contextos originais.
Uma conseqüência dessa definição mínima é, no entanto, incômoda. Na verdade, se nos contentarmos com essa caracterização da literatura, o estudo literário não poderia ser qualquer discurso sobre esses textos, mas deverá ser aquele cuja finalidade é atestar, ou contestar, sua inclusão na literatura. E se a literatura e o estudo literário se definem solidariamente pela deliberação de que, para certos textos, o contexto de origem não tem a mesma pertinência que para outros,
resulta daí que toda análise que tem por objeto reconstruir as circunstâncias originais da composição de um texto literário, a situação histórica em que o autor escreveu esse texto e a recepção do primeiro público pode ser interessante, mas não pertence ao estudo literário. O contexto de origem restitui o texto à não-literatura, revertendo o processo que fez dele um texto literário (relativamente independente de seu contexto de origem).
Tudo o que se pode dizer de um texto literário não pertence, pois, ao estudo literário. O contexto pertinente para o estudo literário de um texto literário não é o contexto de origem desse texto, mas a sociedade que faz dele um uso literário, separando-o de seu contexto de origem. Assim, a crítica biográfica ou sociológica, ou a que explica a obra pela tradição literária (Sainte-Beuve, Taine, Brunetiere), todas elas variantes da crítica histórica, podem ser consideradas exteriores à literatura.
Mas se a contextualização histórica não é pertinente, o estudo lingüístico ou estilístico o seria mais? A noção de estilo
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pertence à linguagem corrente e é preciso primeiro refiná-la (ver Capítulo V). Ora, a busca de uma definição de estilo, tanto quanto de literatura, é inevitavelmente polêmica. Ela repousa sempre sobre um invariante da oposição popular entre a norma e o desvio, ou da forma e do conteúdo, ou seja, ainda dicotomias que visam a destruir (desacreditar, eliminar) mais o adversário do que os conceitos. As variações estilísticas não são descritíveis senão como diferenças de significação: sua pertinência é lingüística, não propriamente literária. Nenhuma diferença de natureza entre um "slogan" publicitário e um soneto de Shakespeare, a não ser a complexidade.
Retenhamos disso tudo o seguinte: a literatura é uma inevitável petição de princípio. Literatura é literatura, aquilo que as autoridades (os professores, os editores) incluem na literatura. Seus limites, às vezes se alteram, lentamente, moderadamente (ver Capítulo VII sobre o valor), mas é impossível passar de sua extensão à sua compreensão, do cânone à essência. Não digamos, entretanto, que não progredimos, porque o prazer da caça, como lembrava Montaigne, não é a captura, e o modelo de leitor, como vimos, é o caçador.





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